Intervenção no debate das grandes
opções do conceito estratégico de defesa e segurança
Humberto Cardoso (23/5/05)
A
problemática da segurança das nações é hoje vista num outro prisma devido
essencialmente a dois fenómenos recentes: o fim da guerra fria e a aceleração
da globalização.
De
facto, com o desaparecimento da União Soviética, os Estados Unidos da América afirmaram-se
como a única potência capaz de projectar força ao nível planetário. Despontou
uma nova era em desaparecem as guerras entre Estado-Nações. Não terminaram
porém os conflitos armados e as ameaças à paz . Os protagonistas dos novos conflitos passaram a ser
entidades infra estatais e as motivações de natureza étnico e religiosa. O
terrorismo, que até então se tinha mantido contido e instrumental no quadro das
necessidades tácticas de lutas com objectivos mais abrangentes, ganhou foros
estratégicos visando aplicar profundos danos materiais e maximizar perdas
humanas, especialmente de civis.
O
processo de globalização alargou-se com a inserção na economia mundial de
várias países anteriormente na órbita soviética e com o aprofundamento da integração
económica da China e da India e acelerou com os extraordinários investimentos e
inovações nas tecnologias de informação e comunicação realizados ao longo de
toda década de noventa. Os níveis de conectividade entre pessoas e regiões do
globo aumentaram exponencialmente.
Entidades
terroristas como Al Qaeda aproveitaram-se das novas condições para
desenvolverem uma rede com alcance mundial e de fazer convergir numa plataforma
de interesses comuns o terrorismo internacional e actividades criminosas
organizadas como o tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico humano e
operações de lavagem de dinheiro. Paralelamente e particularmente através da
Internet, muitos, no mais
perfeito anonimato ganhavam acesso a informações, produtos e técnicas que punha
à disposição de indivíduos e de pequenos grupos uma capacidade de destruição
anteriormente reservada a forças militares.
A destruição
das torres gémeas do World Trade Center em
Nova Iorque no dia 11 de Setembro
de 2001 no âmbito de um ataque sincronizado em que também eram alvos o
Pentágono e a Casa Branca revelou o aparecimento de uma nova ameaça à segurança
das nações. Uma ameaça transnacional, que se manifesta sem se identificar, que
procura infligir o maior estrago possível e provocar o maior número de vítimas,
de preferência civis, e que activamente procura pôr à sua disposição todo
o tipo de armas de destruição massiva , sejam elas nucleares, químicos,
biólogicos e radiológicos.
Com
esse tipo de ameaça, em que indivíduos e grupos agindo como criminosos realizam
actos de guerra, esbate-se significativamente a tradicional separação entre a
segurança interna e a segurança externa.
.........................
Sr.
Presidente
A
Constituição da República no artigo 242 e seguintes referentes à Defesa
Nacional e o artigo 240 dedicado à polícia faz uma diferenciação clara entre a
o conceito de defesa nacional e o conceito de segurança interna. Nesses mesmos
artigos a Constituição atribui às forças armadas a tarefa de fazer face a
ameaças ou agressões externas e à polícia e forças de segurança a
responsabilidade de garantir a segurança interna, defendendo em simultâneo os
direitos dos cidadãos e a legalidade democrática.
A
distinção feita pela Constituição da República reflecte uma época em as ameaças
ou agressões do exterior eram claramente identificáveis nas declarações, actos
ou movimentação de forças de outros Estados. Manifestações de hostilidade não
se confundiam nem na forma nem nos métodos e, muito menos, no poder de fogo com
qualquer ameaça interna. Hoje, porém, dificilmente se pode fazer essa distinção.
Entretanto, persiste o constrangimento constitucional.
Tudo
leva a crer que na ausência de uma revisão constitucional que permitisse uma
abordagem conjunta da problemática da defesa e da segurança interna no âmbito
de um novo conceito de segurança nacional somos obrigados a discutir
separadamente as opções do conceito estratégico de defesa nacional e as opções
do conceito estratégico de segurança interna. É o que aliás se vai fazer em
Portugal, com a discussão já anunciada pelo Ministro português António Costa
das opções do conceito estratégico de segurança interna.
A discussão
das grandes opções para além de definir os aspectos doutrinais e
organizacionais, de diferenciar os aspectos estratégicos dos operacionais,
clarifica missões e estabelece sistemas de forças. Ora a polícia e as forças
armadas são completamente diferentes. A função de polícia é uma função da
Administração portanto, segundo os constitucionalistas directamente sujeita ao governo. As
forças armadas constituídas com base no serviço militar obrigatório são na
realidade um corpo de cidadãos armados para a defesa da Pátria em que os vários
orgãos de soberania a começar pelo Presidente da República que é o Comandante
Supremo das Forças Armadas têm competências na sua organização funcionamento e
disciplina.
As
forças armadas são treinadas para responder de forma decisiva e letal a
qualquer agressão do exterior. À Polícia exige-se uma actuação efectiva, mas
responsável, com sentido de proporcionalidade e respeitando escrupulosamente os
direitos fundamentais dos cidadãos. Os meios, os métodos e a estratégias de
actuação não podem ser os mesmos.
..............
Sr.
Presidente
O terrorismo afirmou-se de facto como a
ameaça mais letal enfrentada pelas sociedades modernas. O caracter global das
suas actividade e a utilização sistemática dos recursos da sociedade moderna,
particularmente das tecnologias de informação e comunicação, fazem de todos os
países do mundo potenciais teatros de operações. Os países, ou são alvos, ou
funcionam como bases logísticas dos terroristas ou transformam-se em refúgios e
esconderijos onde em momentos
de aperto combatentes diluem-se na população.
Cabo
Verde, um país que progressivamente vai se apercebendo de que as suas
esperanças de
se
desenvolver passam pela construção inteligente de uma dinâmica com a economia
mundial, no quadro da globalização, não pode ficar alheio a esses perigos nem
deixar de se preparar para os enfrentar .
A
consolidação da liberdade e da democracia está intimamente ligada ao sucesso
que se obtiver no processo de desenvolvimento designadamente em elevar significativamente
o nível de vida da população com crescimento da riqueza nacional e com criação
de emprego. Esse sucesso só é possível se efectivamente se souber construir
relações económicas frutíferas com o mundo, envolvendo exportações de bens e
serviços, atracção de investimento significativos para o país e produção
de fortes fluxos turísticos capazes de emprestar dimensão crítica a muitos
sectores da economia caboverdiana. Um factor chave do nosso sucesso é o nível
de segurança atingido em todos os pontos do território nacional e a garantia
que se dá aos outros que o nosso
território, a nossa sociedade e as nossas instituições não dão guarida a
factores propiciadores de tráficos e práticas criminosas.
Nesta
perspectiva, para nós, a definição
de um conceito de estratégia de segurança nacional no seu sentido lato passa
pela compreensão dos requisitos que o processo de globalização impõe a todas as
economias e a todas as sociedades, passa pela necessidade de se adequar a
atitude nacional à exigências de uma interacção intensa com o mundo, uma
interacção prenhe de potencialidade mas também de perigos, e passa ainda pela capacidade de
lançar um olhar crítico, firme e criativo pelas nossas instituições, pela forma
como os recursos são alocados internamente e pelas abordagens muitas vezes
despidas de visão estratégica com que se enfrentam os problemas do país.
Aos
condicionalismos globais a considerar nesse exercício devemos juntar os de
natureza regional.
O
posicionamento de Cabo Verde na região ocidental africana numa zona onde se
cruzam rotas internacionais de tráfico de drogas, de armas e de pessoas coloca
o país necessáriasmente nos ecrans dos radares tanto dos traficantes como dos
países alvo desses tráficos. A situação actual de ameaças permanentes de
desestruturação de estados nesta zona em consequência de conflitos étnicos e
religiosos como aconteceu recentemente em
Serra Leoae Libéria, está acontecer na Costa do Marfim e poderá vir acontecer
na Guiné Bissau põe Cabo Verde na contingência de se ser ver a braços com fluxos insustentáveis de
imigrantes ou refugiados. A fronteira porosa que se mantem, no quadro da
CEDEAO, com esses países em perigo de se transformaram em Estados falhados
agrava exponencialmente os efeitos da nossa proximidade desta região.
As
ameaças à segurança nacional são múltiplas. Desde logo a necessidade de se
controlar o fluxo de imigrantes numa realidade como a caboverdiana de população
diminuta e distribuída
esparsamente pelas ilhas. Gerindo o fluxo Cabo Verde poderá ganhar e evita-se o desenvolvimento de
sentimentos xenófobos. Por outro lado, o controle das fronteira deve ser
rigoroso para impedir designadamente que elementos de entidades sub estatais
associados aos múltiplos tráficos que antes sustentarem os seus conflitos
venham prosseguir as suas actividades no nosso país.
Todo o
desenvolvimento de Cabo Verde poderá ficar comprometido se deixarmos passar a
péssima imagem de Cabo Verde ser uma espécie de ponte entre regiões instáveis
da África e a Europa.
Sr.
Presidente....
A
natureza das ameaças actuais impõe que debruçemos de forma séria e comedida
sobre as nossas múltiplas realidades
- a
realidade fisica do nosso país, um país arquipélago com dez ilhas e ilhéus com
cerca de 965 Km de linha costeira,
- a realidade
geografica de estarmos situados numa região onde há sinais de desestruturação
de estados e onde se cruzam
rotas de tráficos diversos, ligando três continentes,
- a
realidade demográfica de uma população extremamente pequena
- a
realidade económica de um país que ainda não atingiu níveis de cescimento
económico necessários para garantir uma efectiva luta contra a pobreza
- a
realidade social de grande desemprego e de tentações para o práticas ilegais
com vista a enriquecimento rápido
- e uma
realidade política de uma democracia jovem ainda em fase de consolidação e de
institucionalização.
Hoje,
em CaboVerde, a inadequação
das instituições nacionais face aos desafios seja da segurança interna como da
segurança externa é por
demais evidente. A sensação de insegurança prevalecente na população tem origem
na percepção generalizada das dificuldades
das instituições responsáveis pela luta contra a criminalidade e pela
administração da justiça em lidar
com um país e uma sociedade cada vez mais complexos e em interacção permanente
com um mundo em acelerado processo de globalização
As
nossas fronteiras têm de deixar de ser porosas, as nossas costas devem ser
efectivamente policiadas, a população deve sentir-se segura nas suas casas, a
actividade criminal deve ser energicamente combatida. Para atingir esses
objectivos temos que ser capazes de repensar tudo:
Qual
deve ser o papel das forças armadas? Na nova conjuntura deve-se manter ou não
as forças armadas?
Que
tipo de força se adequa mais à necessidade urgente de policiamento das nossas
costas águas arquipelágicas, águas territoriais e zona económica exclusiva
Qual
deve ser o papel da POP? Qual
o seu papel no combate ao crime?
O que
se deve fazer para focalizar a actividade da polícia judiciária na luta contra
os crimes complexos e
aumentar a sua capacidade analítica?
Será
de interesse para o país a criação de uma força de segurança para militar a
exemplo de vários outros países que vigie as nossas costas e e dê um apoio mais
robusto à acção das ouras polícias?
Qual
deve ser a nossa estratégia em matéria de cooperação no domínio de Segurança?
Parece-nos evidente que uma verte central dessa cooperação terá que orientar-se
para a protecção das nossas águas e da nossa zona económica exclusiva.
Somos
de opinião que a adequação das instituições aos desafios de hoje é urgente e a
ponderação das opções a adoptar deve ser iniciada no âmbito de preparação de
uma revisão constitucional.
O
Movimento para a Democracia desde de 2001 tem vindo a manifestar ao Governo a
sua disposição em colaborar com as importantes reformas de estado,
designadamente nos sectores da forças armadas e da segurança. Lamentamos que só
no fim do mandato o governo vemha apresentar as suas iniciativas . A vontade de
colaborar continua. Esperamos que o Governo eo Paicv se disponibilizem para uma
discussão compreensiva da matéria de segurança e que estejam dispostos a
achegar aos compromissos que se impões.
Muito obrigado.