Friday, June 27, 2008

Má Governação em evidência? 2008

Antes da ordem do Dia: Má Governação em evidência?   2008

 

Má governação em evidência?

Períodos eleitorais são normalmente extraordinariamente elucidativos acerca das formas de actuação dos diferentes actores políticos. 

Deixam, particularmente, a claro as tentativas de instrumentalização do Estado em benefício dos interesses partidários da força política que suporta o Governo. Revelam, para além de toda a retórica e a propaganda oficial, as ainda frágeis bases de governança ou governabilidade do País. 

Vem-se se multiplicando, nos últimos tempos, alguns sinais de má governação. Governança, ou como o PAICV prefere, governação,significa respeito pelo primado da Lei, a transparência e prestação de contas na actuação dos governantes e ambiente institucional adequado para a criação, desenvolvimento e implementação de políticas públicas. 

De facto, há indícios de má governaçãoquando o Governo desdobra-se em reuniões de conselho de ministros descentralizados nos meses que precedem as autárquicas. Pelo menos cincos se realizaram nos últimos três meses. E alguns foram seguidos de apresentação de candidatos do partido no Governo às eleições municipais. Quanto aos efeitos na resolução dos problemas das localidades e das populações, a posição, por exemplo, do presidente da comissão instaladora de S.Salvador é esclarecedora: utopia, nenhuma resposta concreta, as pessoas não têm oportunidade para os esclarecimentos adicionais e terem as informações, …na prática deixa as pessoas mais angustiadas. Ou seja, trata-se basicamente um show off de onde se procura, simplesmente, extrair ganhos partidários. 

Há indícios de má governação quando membros do Governo, frequentadores assíduos dos seus municípios de origem, em missões de Estado poucas vezes ligadas às suas competências específicas, se apresentam como candidatos às autárquicas. A impressão que fica é que de há muito vêm-se preparando para tal, com óbvios prejuízos para a acção do Estado e para a relação do Estado com o Poder Local. O Estado perde porque a intervenção do membro do Governo submete-se à necessidade de se construir a sua imagem junto às populações como futuro candidato autárquico. E, de passagem, envenena-se a relação com a câmara porque os seus actuais titulares são vistos como rivais directos na corrida eleitoral. 

Há indícios de má governação quando o partido no Governo, recorrentemente, recruta para os principais cargos autárquicos funcionários públicos, que ganharam proeminência nos concelhos enquanto chefes de serviços desconcentrados do Estado que lidam com as populações. Os agentes do Estado, segundo a Constituição, estão exclusivamente ao serviço do interesse público e estão obrigados a agir com respeito estrito pelos princípios de justiça, isenção e imparcialidade não podendo beneficiar ou prejudicar outrem em virtude das suas opções político-partidárias. Tornar, designadamente, chefes de delegação de Educação, de serviços de Agricultura, do ICASE em instrumentos de actividade partidária não abona para a qualidade, a lealdade e a solidariedade que, em nome dos interesses das populações, devem caracterizar as relações entre os órgãos municipais e os serviços do Estado nos concelhos. Também, decididamente não ajuda muito no estabelecimento de boas relações institucionais Estado/Poder Local a decisão de preparar o director geral de descentralização, do Ministério que tutela os municípios, como candidato a presidente de uma das câmaras. 

Há indícios de má governação quando todos os presidentes das comissões instaladoras dos novos municípios são apresentados pelo partido no governo como candidatos a presidente da câmara. Ao mesmo tempo que o esforço do Estado e a solidariedade nacional traduzida nos investimentos públicos extraordinários feitos nesses municípios são dados pelo próprio primeiro-ministro, em ambiente de campanha eleitoral, como obra pessoal dos presidentes das comissões instaladoras, transformados em candidatos. A instrumentalização de meios e recursos do Estado para fins partidários é também neste caso por demais evidente.

Há indícios de má governação quando na presença do Sr. Primeiro Ministro em Santa Catarina na ilha do Fogo, pela boca do presidentes da comissão instaladora, o País fica definitivamente a saber que o pintar de amarelo as obras do Estado é parte de um esforço de criação da uma onda amarela claramente identificável com o partido no Governo. Que a cor amarela em palácios de justiça, aeroportos, centros de saúde, escolas, centros de juventude etc etc é a manifestação de um partido em permanente campanha, usando recursos do Estado, aproveitando-se das obras do Estado e servindo-se da exposição mediática privilegiada dispensada às cerimónias oficiais para influenciar os eleitores. 

Há indícios de má governaçãoquando o Gabinete de Assessoria de Imprensa do Primeiro Ministro edita no mês das eleições autárquicas uma revista de propaganda oficial, a revista Ilhas, ricamente financiada pela publicidade de grandes empresas privadas do país. Das muitas questões que tal financiamento suscita, uma é inescapável, pelas suas graves implicações: A decisão comercial dessas empresas privadas em fazer publicidade numa revista do Governo visa o quê!? Certamente que não é para atingir clientes potenciais dos seus produtos e serviços, considerando que a revista pela sua própria natureza não tem uma estratégia comercial. Só pode, então, ser agradar ou ficar nas boas graças do Sr. Primeiro Ministro que é quem assina o editorial da Revista. Se assim é, à impropriedade do aproveitamento de subvenções privadas para propaganda do partido no Governo, em vésperas de eleições, junta-se o potencial de criação de relações promíscuas dos poderes públicos com o sector económico em que todos, o País, os cidadãos e os agentes económicos saem a perder. 

Em Cabo Verde, avançar no sentido da boa governança obriga a que se dê combate permanente à tentação de se reinstalar o partido/Estado em Cabo Verde. 

O esforço de construção institucional do Estado de Direito deve ser acompanhado de uma profunda renovação da cultura política. E a relação com os cidadãos terá que deixar de se caracterizar pelo paternalismo, pelo aprofundamento da dependência das populações e pelo recurso à instrumentalização do Estado para influenciar o eleitorado. 


Thursday, November 30, 2006

O PAICV não vai mudar 2006

 

Intervenção antes da Ordem do Dia                

                                                                                  Humberto Cardoso

30/11/06

Nestes últimos dias a actuação do Governo e do grupo parlamentar que o suporta tem-nos relembrado da postura permanente do PAICV na política: se não está a atacar, está a mobilizar as suas forças para atacar. E nestes dias veio o ataque:

atacou o poder judicial, dizendo, com cinismo, que acatava as suas decisões, ao mesmo tempo que publicava opiniões contrárias ao acórdão e, por omissão intencional, fazia o país pagar a sua desautorização pelo Tribunal: 

 atacou o princípio de separação de poderes na forma displicente e não assumindo responsabilidades com que toma os repetidos falhanços da relação de moderação Presidente da República/Governo em manter o sistema político a funcionar dentro dos parâmetros constitucionais.

 Atacou virulentamente os partidos de oposição por um ter pedido a demissão do Governo e o outro ter apresentado uma moção de censura.

 Atacou a comunicação social directamente pelo nome dos órgãos visados e, pela boca do Sr. Primeiro-Ministro, repreendeu vigorosamente os órgãos estatais por passarem demasiadas conferências de imprensa, causando ruído e não deixando o Governo trabalhar.  

 É mais do que claro que o PAICV não tem uso para a oposição. A cultura política que sempre teve exclui os outros, nega qualquer valor ao pluralismo e vê como inútil todo o exercício do contraditório.

Usa várias tácticas para se manter nesta senda:

 Primeiro, imprime nos seus militantes esse ar de superioridade de partido com história, de partido de Cabral, onde, como num exército, todos falam a mesma coisa, contam as mesmas anedotas dos adversários/inimigos políticos, debate-se o outro com a ficha pidesca na mão e com licença, à semelhança do James Bond, para atacar sem limite a honra e a dignidade, dispensados de qualquer problema de consciência.

Segundo, afoga o país e as pessoas em propaganda permanente no estilo do agitprop sem absolutamente nenhum escrúpulo e respeito pela verdade. É só ver como a universidade de Cabo Verde está a ser criada através da propaganda, em que a realidade é substituída pela ficção e quaisquer críticas a sugerir que o rei vai nu são esmagadas sem piedade.

 Terceiro, força uma cultura de cinismo no país e na sociedade em que se assume que todos actuam por pura conveniência pessoal, em que, conforme as circunstâncias, leis e regras de comportamento são ou não cumpridas, em que os fins justificam os meios e em que o mérito é posto de lado e substituído por expedientes, favores e cor partidária.

É cada vez mais evidente que o PAICV não vai mudar. Não mudou quando podia tê-lo feito. Não o fará agora que chegou à conclusão de que a sua cultura política anterior permitiu-lhe chegar ao poder e entrincheirar-se nele novamente. Resta à sociedade caboverdiana pressionar para que a democracia caboverdiana funcione, para que a Constituição seja respeitada, para tenhamos um poder judicial independente, uma comunicação social livre, atenta e activa e uma oposição vibrante para conter a cultura política iliberal do Paicv. Desejo boa sorte a todos nesta luta pela preservação da Liberdade em Cabo Verde.

Monday, November 27, 2006

Debate sobre a situação da Justiça 2006

 

Debate sobre a situação da Justiça 

                                                                                                        Humberto Cardoso

                                                                                                           Outubro de 2005

 

Sr. Presidente, senhores membros do Governo,  colegas deputados

 A  Justiça em Cabo Verde está em vias de ganhar a massa crítica necessária, em termos de componentes e grau de institucionalização dos mesmos,  para que em permanência dispense o que todos dela esperam: a protecção dos direitos dos cidadãos, o dirimir dos conflitos públicos e privados, a repressão da violação da legalidade democrática, o travão efectivo a tentações tirânicas de maiorias conjunturais.

 Os novos códigos, o Código Penal e o Código do Processo Penal, e a  aprovação pela Assembleia Nacional da Lei de instalação do Tribunal Constitucional,  neste último ano, juntaram-se a outras acções de institucionalização da Justiça que, seguindo o plano implícito na Constituição de 92 e em leis estruturantes dela derivadas,  vêm construindo um Estado de Direito democrático onde a independência dos juízes é garantida, a conformidade das acções do Estado com a Constituição é verificada e os direitos fundamentais dos cidadãos e das minorias recebem a devida protecção.

 Perante o esforço já feito a expectativa dos cidadãos em ter rapidamente uma Justiça efectiva porque independente, determinada e célere é muito grande. É isso que, nossa opinião,  as sondagens do Afrobarómetro revelam. A confiança dada à Justiça é fundamentalmente a manifestação da vontade de todos em ver funcionar em pleno o mecanismo essencial a uma existência baseada na liberdade e na possibilidade de todos çoncretizarem os seus sonhos e as suas ambições ao mesmo tempo que se realiza o interesse colectivo, se garante os direitos fundamentais designadamente os direitos de propriedade e os direitos contratuais e se assegura a ordem, a segurança e a tranquilidade social.

 A confiança dos cidadãos não resulta necessariamente da percepção real que as pessoas e a sociedade têm da situação actual da Justiça. É mais uma vontade/ desejo/ exigência dos cidadãos que implica para os agentes e profissionais na Justiça uma extraordinária responsabilidade. A assunção plena dessa responsabilidade por parte dos magistrados judiciais, dos magistrados do ministério público, dos advogados, dos funcionários judiciais mas também dos polícias e das forças de segurança é que irá permitir que tudo o que já está reunido em termos de investimentos físico, humano e institucional resulte  na administração efectiva da justiça em Cabo Verde.

 Os agentes da Justiça em exercício actualmente em Cabo Verde devem ter a consciência do papel histórico que deles se espera na construção da democracia e do Estado de Direito, uma tarefa que nos ocupa a todos há menos de15 anos . A eles cabe, designadamente,  criar uma cultura do exercício da magistratura na democracia , cabe afirmar os tribunais como orgãos de soberania e cabe desenvolver um profissionalismo caracterizado por celeridade, previsibilidade e isenção na resposta às demandas de justiça, um profissionalismo  que  tranquiliza a sociedade.

 Os cidadãos não têm a possibilidade de influenciar a postura dos tribunais com a alteração periódica dos seus titulares através de eleições como acontece com os outros orgãos de soberania designadamente o presidente da República e a Assembleia Nacional. Este facto que revela a ausência de uma legitimidade democrática directa dos titulares dos órgãos soberania que são tribunais põe um especial fardo sobre os magistrados. A sua legitimidade em administrar a justiça em nome do povo advém da aderência total das suas decisões ao espírito e à letra da Constituição e da defesa atenta do se designa de due process of law.

 Sr. Presidente, senhores membros do Governo colegas deputados

 A construção do edifício institucional da Justiça seguindo o plano da Constituição de 92 e acompanhado da ética e do ethos que lhe está subjacente e que credibiliza a administração da Justiça depara-se com dificuldades multiplas que importa confrontar de forma decidida:

 Primeiro temos que aceitar que o nosso ponto de partida para a construção do estado de Direito não é zero mas sim abaixo de zero. A LOPE, a Lei da Organização Política do Estado promulgada em 1975 e a Constituição de 1980 não são percursores ou pontos evolutivos de uma cultura ou filosofia judicial que desembocaria na Constituição de 1992. A experiência da justiça no regime anterior com a subordinação dos juízes aos objectivos do partido único, as suas nomeações dependentes do governo, a total falta de autonomia do ministério público e as severas restrições do direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente direitos de defesa está nas antípodas do Estado de Direito democrático que estamos hoje a construir. Não se compreende pois as referências de SEXCIA o sr. Presidente da República  na abertura do ano judicial em relação a esta matéria. Do Presidente da Republica se espera o realce da natureza distinta da filosofia judicial própria do estado de direito e um incentivo permanente para a emergência de atitude, postura e mentalidade consentâneas com os seus parâmetros e elementos fundamentais.

 Segundo, a democracia e a sociedade livre e aberta  põem especial desafio aos orgãos que administram a justiça e cuidam da preservação da ordem e da segurança das pessoas. Exigem uma adequação permanente a novos desafios e níveis crescentes de institucionalização para que em respeito permanente para com os direitos fundamentais dos cidadãos e em aderência aos princípios e valores da Constituição sejam efectivos. Ou seja, não é a Constituição que deve mudar para suprir as insuficiências da polícia, dos centros prisionais, do ministério público ou dos tribunais mas sim essas instituições é que devem se colocar à altura das exigências constitucionais no importante e delicado serviço que prestam à comunidade e à república.

Terceiro, a efectividade da administração da Justiça depende ainda de dois factores importantes: condições adequadas para o desenvolvimento da carreira, remuneração justa  e garantia especial de segurança. A indexação dos vencimentos dos magistrados judiciais enquanto titulares de orgãos de soberania aos vencimentos percebidos pelo Presidente da república e o primeiro ministro cria situações complicadas designadamente de deterioração do nível de vida dos juízes com consequências em termos de motivação na carreira e diminuição de independência. Isso acontece porque nós nos ramos legislativos e executivos do sistema não chegamos a acordo por razões populistas e demagógicas quanto o estado deve pagar aos titulares de orgãos de poder político. Em relação à segurança, os disparos contra o procurador Arlindo Figueiredo puseram com especial acuidade a obrigação do estado em dar a todo o tempo segurança especial aos agentes de justiça e agir rapidamente e decidamente contra os que se ousarem intimidar a justiça em cabo verde.

 Sr. Presidente, senhores membros do Governo,  colegas deputados

 Estamos hoje ainda nos primórdios de uma longa caminhada para a criação de condições para a realização de um desejo permanente dos homens: o desejo de justiça. Iniciamos essa caminhada com os handicaps próprios de um país ainda num nível baixo de desenvolvimento e com uma experiência negativa e desviante do que constitui de facto a Justiça. Vivemos por outro lado num mundo cada vez mais globalizado em que desafios aos fundamentos da sociedade aberta e liberal  mostram-se cada vez mais perigosos e sofisticados. Ameaças de terrorismo interconectam-se com tráficos de drogas, tráficos de armas, tráfico de pessoas e branqueamento de capitais  no que às vezes configura uma grande conspiração criminosa com raízes locais e globais.  Neste contexto, o  que esperamos dos agentes de Justiça não é facil mas, em jeito de compensação, tem todos a vantagem e o privilégio de um dia poderem dizer “estivemos presentes e participamos no momento de criação do Estado de direito democrático em Cabo Verde”. 

A problemática da cessação de mandato

  A problemática da cessação de mandato                                                                                               ...