Discurso na abertura
do Debate: Políticas Públicas, Boa Governança e consolidação do Estado de
Direito democrático
Humberto Cardoso
7/12/05
Sr. Presidente da
Assembleia Nacional, senhores Membros do Governo, colegas deputados
Cabo Verde vem
sendo objecto de uma apreciável atenção da comunidade internacional preocupada
com a problemática do desenvolvimento e da luta contra a pobreza. Por duas
razões fundamentais:
primeiro, desde do
ataque do 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque e dos ataques terroristas
seguintes o foco da atenção dos países desenvolvidos dirigiu-se para a
problemática dos estados falhados. Em consequência, Cabo Verde, um país com uma
experiência bem sucedida de construção de instituições democráticas foi elevado
à condição de exemplo a seguir.
Segundo, as
dificuldades em extrair significativo crescimento económico a partir das
reformas enquadradas no chamado Consenso de Washington tem vindo a realçar o
papel fundamental de políticas públicas e das instituições na criação de um
ambiente favorável ao investimento e a uma utilização mais
eficiente dos recursos disponíveis. Neste particular também a nossa experiência
de reestruturação da economia no sentido de uma economia de mercado de base
privada a partir de economia de matriz estatizante e de planificação central é
também uma referência.
A selecção de Cabo Verde para o Millenium
Challenge Account (MCA) um programa criado em 2002 pelo presidente
George W. Bush, um ano após o 11 de Setembro, é o reconhecimento da relevância
da nossa experiência. O mesmo se passa com a concretização das novas
modalidades de ajuda originária de países da União Europeia que tomam a forma
de Ajuda Orçamental ao desenvolvimento.
Naturalmente que o reconhecimento das nossas
realizações por parte desses países só pode significar uma única coisa: que
devemos persistir no mesmo caminho e aprofundar devidamente as suas múltiplas
valências. E qual é esse caminho: é o caminho da defesa dos direitos
individuais, do primado da Lei e da democracia. É também o caminho do investimento
inteligente no capital humano com ênfase particular na saúde, na educação e na
formação profissional. É, ainda, o caminho da liberdade económica
com o desenvolvimento do sector privado, a promoção da exportação de bens e
serviços e do comércio internacional, e políticas públicas adequadas,
designadamente em matéria monetária, fiscal e de regulação.
Chama-se governança (governance em inglês) ao processo
pelo qual instituições públicas conduzem os assuntos públicos, gerem recursos e
garantem a realização dos direitos humanos. Diz-se que um país tem good
governance (boa governança) quando o processo de tomada de decisões e o
processo de implementação das decisões está livre de abusos e de corrupção,
quando impera o primado da Lei e quando se cumpre a promessa de assegurar o
respeito pelos direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais de
todos os cidadãos. Virtudes como Transparência, Responsabilidade, Prestação de
Contas, Participação e Sensibilidade acompanhada de reacção às necessidades das
pessoas caracterizam a Boa Governança.
Todos os caboverdianos podem reconhecer que nós
iniciamos a extraordinária construção do edifício legal e institucional
essencial à boa governança com a vitória da liberdade e da democracia no dia 13
de Janeiro de 1991. Passos gigantescos foram dados a partir daí, a começar pela
Constituição da República de 1992 que definiu o quadro onde a soberania popular
seria exercida, onde se instituiria o Estado de Direito democrático, onde, no
pluralismo, se realizaria a liberdade de expressão e de organização política e
onde a autonomia local passaria a ser uma realidade palpável. Um novo Poder
Judicial nasceu para cumprir a promessa de Justiça e de defesa dos direitos
fundamentais. A afirmação da igualdade de todos os cidadãos perante a Lei e do
seu direito de participação na vida política e socio-económica do
país serviu para soltar as energias e o potencial de Cabo Verde visíveis nos
grandes níveis de crescimento económico verificados, particularmente, na
década de noventa.
No domínio da economia do país destacam-se a
construção de sistema fiscal moderno, o lançamento das bases de uma política
orçamental correcta através designadamente da Lei de Enquadramento Orçamental e
das privatizações. A assinatura do Acordo Cambial com Portugal em 1998, que
ligou o escudo cabo-verdiano, primeiro, ao escudo português e, posteriormente,
ao euro, sobressai de todas essa iniciativas estruturantes como a jóia da coroa
da boa governança. O acordo cambial trouxe estabilidade, previsibilidade e
fluidez, numa palavra só, confiança, à relação entre operadores
e investidores, nacionais e estrangeiros, com Cabo Verde. Os nossos
emigrantes beneficiaram espectacularmente dessa relação renovada de confiança
com o país com consequência nas remessas e investimentos que desde dessa época
têm vindo a aumentar.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional, senhores Membros do Governo, colegas
deputados
O nível de
governança atingido por Cabo Verde ao longo de todos estes anos desde do 13 de
Janeiro vem atraindo muita atenção de países desenvolvidos. Já estamos a
beneficiar dessa atenção. O problema é como mantê-la e como fazer um uso mais
adequado dos recursos que, por essa razão, nos são disponibilizados.
O debate
solicitado pelo Grupo Parlamentar do Movimento para a Democracia (MpD) sob o
tema Políticas Públicas, Boa Governança e consolidação do Estado de Direito
democrático tem como objectivos, designadamente
avaliar
o nível de compreensão que os poderes públicos e a sociedade tem da importância
fundamental para Cabo Verde a continuidade de construção do edifício
institucional produtora da boa governança
avaliar
o nível de contaminação das práticas de boa governança por interesses de
natureza politico-partidária ou simplesmente por politiquice
identificar
áreas ou sectores da vida nacional onde políticas públicas especialmente
dirigidas podem resultar na elevação do nível de governança do país e onde é
possível construir consensos entre as forças políticas, mas também entre elementos
da sociedade, para garantir a qualidade de governança pretendida
A problemática da
boa governança (good governance) tem sido obscurecida entre nós pelo empenho
posto pelo Governo, pelo Sr. Primeiro Ministro e por outros membros do Governo,
em fazer crer à nação caboverdiana que good governance é boa
governação ou seja é boa actividade do Governo. Isso explica-se claramente pelo
eleitoralismo que vem dominando a actuação deste governo. O que fica ferido é a
relação de honestidade, de verdade e de responsabilidade que o Governo deve ter
com o país. Verdade porque o Governo tem todos os recursos do Estado para
determinar precisamente o significado da palavra inglesa governance quando ela
usada no contexto de good governance, corporate governance, internacional
governance, local governance, etc e não confundir as pessoas. Honestidade
porque o Governo não deve abusar da sua posição e aproveitar-se partidáriamente
de uma atenção dirigida a Cabo Verde em reconhecimento do esforço conjunto da
sociedade caboverdiana na realização do seu sonho de liberdade, justiça e
prosperidade para todos. Responsabilidade porque se ao Governo legitimamente
compete implementar o seu programa não deve, porém, no processo o fazer pôr em
causa o que, em termos de governança e de nível de institucionalização o país
já conseguiu.
De facto,
Presidente da Assembleia Nacional, senhores Membros do Governo, colegas
deputados , o que nós vemos assistindo, o que o país vem seguindo com alguma
preocupação é a atitude do Governo do Paicv face às principais instituições do
Cabo Verde democrático, face à boa governança da Cabo Verde.
Todos nós ainda
nos lembramos de como o Paicv entrou para o governo, antes do fim da
legislatura, e arrebatando o comando da polícia, a direcção dos orgãos de
comunicação social e o controlo do processo eleitoral. Isso tudo nas vésperas
das eleições presidenciais de fevereiro de 2001.
Lembramos também
como se referia à Constituição, para o Paicv, um documento com lapsos,
armadilhado e a precisar de desminagem.
Lembramos todos da
fúria do Paicv sempre que descobre que na democracia não há poder total e
absoluto, que a maioria não poder ser tirânica, e que as minorias devem ser
respeitadas.
Lembramos todos de
como o Paicv, durante anos a fio se negou a instalar o Tribunal Constitucional
para poder ficar em posição de alterar a composição do então Supremo Tribunal
de Justiça e, com isso, ajustar algumas contas e enviar avisos à
navegação a todo o sistema judicial.
Sabemos todos como
o Paicv manobrou para controlar toda a comunicação social pública e privada
Hoje é patente o
ataque sistemático que o Governo faz ao poder autárquico um dos pilares do
Estado de Direito democrático. Pela via de sonegação de fundos, de envolvimento
directo com associações comunitárias em violação da autonomia local e
particularmente do artigo 9o dos Estatutos dos Municípios
, o Governo aprofunda as carências nos municípios, criando espaço para um
aprofundado assistencialismo das populações pela via das associações que
subsidia directamente.
Os jovens
particularmente são vítimas de tentativas de condicionamento e de
manipulação por parte deste governo. A actuação da secretaria de Estado da
Juventude, por exemplo, é despida de qualquer pudor. É só nos
lembrarmos do Sr. Secretário de Estado da Juventude a distribuir equipamento de
futebol com o logo da Enacol a jovens em S.Nicolau para se ver
até onde pode chegar este governo na violação das regras mínimas da relação dos
governantes como os cidadãos e a sociedade.
A gravidade da
relação é maior em relação aos jovens. A Constituição garante direitos aos
jovens, designadamente, nos artigos 74, 77,81. O Estado e os poderes públicos
podem relacionar-se com os jovens mas no âmbito dos objectivos
constitucionais especificados no n. 2 do artigo 74o e em
cooperação com o que já alguém chamou de corpos intermediários sociais descritos
no n. 4 do mesmo artigo para evitar a manipulação política partidária tanto
desses objectivos como dos jovens. Precisamente o que andamos todos a
assistir em Cabo Verde.
Sr Presidente da
Assembleia Nacional, senhores Membros do Governo, colegas deputados
Na área económica
também verificam-se ataques aos elementos básicos da governância com
consequências em termos de transparência, de respeito pela lei, de efectividade
e eficiência, e de prestação de contas. Assim, vê-se como, designadamente
Reformas
fundamentais ficam por fazer, nomeadamente, da administração pública, formação
profissional, previdência social, legislação do trabalho, levando o governador
do banco central, o Dr. Carlos Burgo, , a dizer, há alguns meses
atrás, que, cito, Com a nossa legislação e o mercado de trabalho que
temos, por exemplo, não vamos a parte nenhuma”(fim da citação)
A ajuda orçamental
dada Cabo Verde que naturalmente deve ser canalizada totalmente para
as áreas de investimento vem sendo utilizada também no funcionamento do Estado,
com consequências presentes e futuras em relação ao déficit orçamental e ao
montante da dívida pública.
As agências de
regulação são esvaziadas das suas competência ao sabor dos humores ou
necessidades politico-partidárias do Governo
O Instituto
Nacional de Estatísticas, um pilar fundamental do sistema de governança do
país, é alvo de ataque gratuito do Sr. Primeiro-Ministro porque os números
contrariam a visão rósea que pretende passar de Cabo Verde após os cinco anos
do seu mandato
Políticas públicas
vitais em vários domínios ficam refém dos problemas ideológicos que
o governo tem em relação à privatização da economia e do interesse politiqueiro
do Paicv em manter um ambiente hostil a investidores estrangeiros
Obras de milhões
de dólares realizadas em vésperas de eleições depois de quatro anos de
crescimento rasteiro são consignadas sem concurso público e por simples ajuste
directo, afectando naturalmente a transparência dos processos e pondo em causa
e efectividade e a eficiência dos extraordinários recursos financeiros
mobilizados
Sr Presidente da
Assembleia Nacional, senhores Membros do Governo, colegas deputados
Manter o edifício
legal e institucional da boa governança é fundamental para Cabo Verde. O actual
Governo beneficia na sua gestão de recursos disponibilizados em reconhecimento
do nível de governança que atingimos. É obrigação do Governo aprofunda-la e
não, como dissemos atrás, pô-la em causa por simples eleitoralismo.
Hoje é evidente para todos que o Paicv tem dificuldades em distinguir interesse
público do interesse partidário. Em ver a diferença entre fazer política e
implementar políticas. Em ter postura de Estado em situações como a comemoração
da Independência Nacional e aproveitar-se vergonhosamente das comemorações para
para se insinuar junto aos jovens.
Meus senhores
temos que saber que na democracia faz-se política para chegar ao
governo. O Governo faz política para passar as suas políticas mas cabe ao
Estado, à administração pública implementar essas políticas com
respeito pelos princípios de justiça, isenção e imparcialidade e de respeito
pelos cidadãos e pelos utentes. Dos resultados da implementação das políticas
pode o governo e o partido que o suporta retirar dividendos políticos das suas
opções e delas fazer política.
Em resumo, temos
de diferenciar a política partidária das políticas públicas e saber qual é o
momento próprio e a instância própria para uma e para outra. Só assim
atingiremos um nível cada vez mais alto de governança e aumentamos assim as
nossa possibilidades de realizar o sonho de todos os caboverdianos: liberdade,
justiça, segurança e prosperidade para todos.