Monday, August 25, 2003

Debate sobre Estado da Nação 2003

 

A consolidação da democracia caboverdiana vem sendo prejudicada sistematicamente pelas preferências de actuação política do Governo.

 É evidente, por exemplo, que o Governo com o apoio da sua maioria parlamentar procura reduzir aos olhos da sociedade caboverdiana o papel do Parlamento.  A interpelação da sessão plenária anterior foi ilustrativa disso: o Governo escondeu-se atrás dos deputados do Paicv para não responder às questões e prestar esclarecimentos à Nação quanto à condução de políticas em sectores chaves da vida caboverdiana. O Sr Primeiro ministro, por sua vez,  escondeu-se atrás do Governo para só falar no fim do debate e assim não ter contraditório.

Mas para eles isso é natural. Muitos no Paicv são como aquele deputado que reiteradamente vem dizendo que tem orgulho do percurso passado do Paicv, ou seja tem orgulho também do seu percurso anti-democrático. Dos tempos que consideravam a democracia representativa como democracia burguesa e portanto deficiente. Assim não gostam de lidar com um parlamento democrático onde o governo tem prestar contas, as leis têm que ser debatidas no contraditório e as soluções negociadas e consensos não podem ser impostos.

 Da mesma forma não gostam de lidar com os órgãos representativos do poder autárquico eleitos na base de programas apresentados às comunidades locais.  Preferem trabalhar grupos com interesses mais focalizados porque sonham com a facilidade, a dependência e a obediência que no passado conseguiam das organizações de massa. Daí a enorme satisfacção em aprovar a lei das comissões regionais de parceiros onde grupos comunitárias se associam ao Estado, supostamente em pé de igualdade, para atraírem fundos aprovados pelo Estado. É a troça da democracia e da liberdade de associação.

A democracia caboverdiana sofre com as tentativas sucessivas de resgate de práticas, formas de actuação política  e de ideias do passado antidemocrático. O Paicv é um partido demasiado preocupado em defender o seu passado para se preocupar devidamente com o mundo de hoje e com o futuro. A crispação que existe na política caboverdiana, e que eles cinicamente também se reclamam, tem precisamente aí a sua origem.

 Claramente que o Paicv preferiria viver sem a oposição do MpD. Preferiria uma oposição decorativa. As manobras que faz, designadamente as reveladas pelo ex-dirigente do PRD em relação às negociações em curso com o Governo de dívidas de campanha em troca de brandura nos ataques à governação indiciam uma real dificuldade de lidar com a natureza plural da democracia. Com manobras do género não há forma de os partidos desenvolveram uma cultura de aceitação mútua e trabalho conjunto que se revele fecunda para o país.

 As reformas do estado, designadamente as reformas da Administração pública e as reformas das forças armadas não deram nenhum passo significativo. As despesas do funcionamento do Estado aumentaram significativamente de mais de cinco milhões de contos, agravando o deficit orçamental mas sem que os cidadãos, os operadores económicos e quaisquer utentes dos serviços públicos tenham notado qualquer melhoria no atendimento, na rapidez de resolução das solicitações e na tomada de decisões atempadas para as necessidades e opções de vida de muitos que procuram investir ou dar um rumo à sua vida ou aos seus negócios.

 A conciliação da segurança e ordem pública com os direitos fundamentais dos cidadãos arduamente conquistados é um dos princípios fundamentais a salvaguardar quando construímos e consolidamos as instituições policiais do país como instituições da democracia. Ficamos preocupados quando com uma leveza tremenda vemos o Governo a assinar acordos de cooperação com o Ministério Interior de Angola, um país amigo mas que só teve eleições há doze anos atrás e acabou de sair de uma guerra civil brutal. A cooperação só poderá ser, esperamos, de eles absorverem a nossa experiência e não o contrário. A falta de sensibilidade democrática deste governo às vezes espanta.

As reformas não avançam porque não aí e que o Governo tem os olhos postos e não por aí que pensa permanecer no poder. De facto não é pela demonstração de competência na resolução dos problemas do momento e em preparar o país para enfrentar os desafios do futuro que este Governo pretende merecer a confiança dos caboverdianos.    

 Para fazer as reformas o Governo teria que fazer um esforço de ouvir, debater, negociar e decidir. Só lideranças fortes conseguir fazer tudo isso com tranquilidade e com firmeza. O Governo está demasiado preso das bases do partido. A persistência da retórica de campanha, do discurso de resgate e dos ajustes de contas é prova da prevalência da lógica primária das bases. É por isso que o Primeiro Ministro, citado por um jornal da capital diz que “..na formação do Governo, nomeação de pessoas para empresas, directores-gerais, etc., tem agido como presidente do partido”. Assuntos do Estado recebem o tratamento estritamente partidário. Não se pode ir longe assim. O curto prazismo das bases não é reconciliável com as necessidades a médio e longo prazo do país.

 O Governo compensa a sua incapacidade com autoritarismo. Procura fazer as coisas à força. Tenta repetidas vezes passar por cima da Constituição e das leis. Age sem rebuços no afastamento de pessoas de posições nos serviços públicos a todos os níveis precisamente para inspirar a ideia que ninguém escapa ao seu olhar atento. Compra bens serviços a quem bem entende e deliberadamente para privilegiar uns em detrimento de outros. É por isso que chumba liminarmente um projecto de lei do MpD em criar as condições concorrenciais e justas para operadores económicos fornecer bens e serviços ao Estado. A ideia de força e de controle domina a acção política do Paicv. Sente-se isso no parlamento, na Administração Pública, no Poder Local e na sociedade caboverdiana.

 A forma como ao longo deste um ano agiram em relação aos tribunais especialmente em relação ao Supremo Tribunal de Justiça e aos seus juizes é bastante ilustrativo a esse respeito. O posicionamento contra instalação do Tribunal Constitucional não obstante as opiniões reiteradas de vários sectores da sociedade caboverdiana revelam a persistência do culto da força e intimidação ainda no forma de estar e de actuar do Paicv.

Uma arrogância tremenda acompanha essa postura política. Arrogância que procura classificar caboverdianos ou posições e opiniões tomadas por caboverdianos de patriótica e antipatrióticas. Arrogância de quem acredita que repete mil vezes mentiras nas caras das pessoas elas hão de curvar-se e aceitar como verdadeiro o que é claramente falso.

Mil vezes se ouve que a imprensa é mais livre, que os orgãos públicos de comunicação social estão mais isentas. Mas quem vê a televisão e ouve a rádio  sente perfeitamente como a política do resgate se manifesta em múltiplos programas. A intoxicação ideológica aí produzida esquece que o país teve um regime de partido repudiado universalmente e que a actual república baseia-se em princípios e valores diametralmente opostos. E fundamentalmente esquece o papel  esperado dos orgãos públicos que no quadro do que é subjacente à democracia deve promover o pluralismo das ideias.

Por isso é que Ministros falam de confiança política em directores de orgãos de comunicação do Estado quando a lei é clara que as direcções desses orgãos devem ser independentes de poderes políticos, administrativos e económicos.

O outro lado do autoritarismo é a desresponsabilização. O Governo mesmo a meio do seu mandato ainda não assume a responsabilidade dos seus actos. Nos países mais benevolentes a opinião pública aceita até seis mês após as eleições para o novo governo ainda se reclamar da herança recebida. Não mais. Em Cabo Verde já vamos em trinta meses e o Governo e o Paicv não permite que o país discuta a governação. Insiste em arrastar o país e a sociedade para a discussão do passado culpando tudo e todos, mas deixando de lado a impreparação com que entrou para o governo, a dificuldade em aprender governando, e principalmente a fraqueza e a falta de liderança em convencer as suas hostes que o país é muito diferente da imagem que produziram para efeito de campanha e que os desafios da modernidade não se compadecem com políticas de resgate do passado.

Sunday, August 25, 2002

Denegação se salários a deputados

 

                                                                                              Outubro de 2002

 

Na qualidade de deputado da nação dirigi uma carta à sua Excelência o sr. Presidente da Assembleia Nacional, que passo a ler:

 Praia 12 de Julho de 2002

 

Exmo Sr Presidente da Assembleia Nacional

 

Eu Humberto Andre Cardoso Duarte, tomei posse como deputado da nação no dia 13 de Fevereiro de 2001, precisamente no início da actual Legislatura.

 Em cumprimento ao disposto no 28 dos Estatutos dos Deputados que estabeleceu um novo regime de compatibilidades a partir do início da VI Legislatura, renunciei aos cargos de direcção que então ocupava  na empresa pública Cabmar e na empresa de capitais maioritariamente públicos Cabnave como se pode constatar pelos documentos em anexo. Obviamente que a partir  da renúncia fiquei privado dos rendimentos que então auferia.

 Considerando que se extrai da interpretação dos artigos 55 n2 da Constituição e 14 dos estatutos dos Deputados que o Deputado não pode ser prejudicado por causa do exercício normal do seu mandato era de esperar que findo a actividade remunaratória do recém eleito por força do novo regime de incompatibilidades a Assembleia Nacional, ou seja, o Estado, disponibilizasse o rendimento que é devido ao deputado nos termos da lei.

 Não obstante a declaração do Presidente da Assembleia Nacional proferida durante a sessão plenária de Maio de 2001 e decisão da Mesa no sentido de regularizar os vencimentos devidos aos deputados, a situação de incumprimento persiste até hoje. O Estado deve-me quatro meses e meio de vencimento sem contar os enormes transtornos causados por falta de percepção de um rendimento regular e as dificuldades em cumprir com compromissos inadiáveis.

 Quero com esta carta, Sr Presidente da Assembleia Nacional manifestar-lhe o meu desagrado perante toda esta situação e também pedir-lhe que tome as posições que se impõem pra resolver uma situação que é atentatória à dignidade dos deputados.

 Os meus cumprimentos.

 Sessenta e dois dias depois e na sequência de três notas solicitando uma resposta finalmente recebi uma carta da directora de gabinete do Presidente da Assembleia  Nacional transcrevendo um despacho de 27 de Agosto que dizia o seguinte:

 Comunique-se ao deputado que o assunto foi remetido para o Conselho de Administração e que de todo o modo os conflitos de interesse entre o Estado e os cidadãos podem resolver-se igualmente em sede do poder judicial, como sabe.

 Deixando de lado a evidente falta de cortesia do Sr. Presidente da Assembleia Nacional em não responder pessoalmente à carta do deputado e de só proferir um despacho após muita insistência  o teor do mesmo levanta algumas questões:

 O Presidente da Assembleia da AN ao remeter o assunto para o Conselho de Administração sem nenhum pedido específico ao mesmo estaria simplesmente a libertar-se do problema do deputado?

 Que o Presidente ao convidar o deputado a dirigir-se ao poder judicial estaria implicitamente a dizer ao mesmo que em nenhuma circusntância  daria cabimento ao seu pedido? Se assim era  porque não assumiu clara e frontalmente?

Penso que estamos em presença de um desrespeito sem qualificação.

 O deputado exigia o que lhe era direito.

 A Constituição da República estabelece no n.2 do do artigo 165 que aos deputados serão garantidas todas as condições ao exercício do seu mandato. Na alínea d)  do artigo 166 diz que o Deputado tem direito aos subsídios prescritos na lei. Os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira comentando normas semelhantes na Constituição Portuguesa dizem o seguinta: Entre as condições adequadas ao eficaz exercício das funções de deputado hão de contar-se desde logo o poder dedicar-se inteiramente a elas com dispensa da sua ocupação ou profissão pública e privada. Quanto aos subsídios esses constitucionalistas dizem que não se trata de subsídios eventuais a título de reembolso de despesas ou de ajudas de custo mas de remuneração verdadeira e própria pela actividade desenvolvida. Com o parlamento a ter uma actividade quase permanente implicando a interrupção duradoura da actividade profissional, dizem os constitucionalistas “a remuneração permanente e de montante adequado funciona como garantia de que todos podem ser deputados e de que todos os deputados podem exercer o mandato a tempo inteiro.

 O mais estranho neste caso é quem negava e nega o direito ao deputado é a própria Assembleia Nacional. Por isso Sr. Presidente não se trata de um mero conflito entre o cidadão e o Estado. Trata-se de um conflito inter-orgânico entre um titular de um orgão de soberania, o deputado, e o orgão de soberania, a Assembleia Nacional. E, na minha opinião não estamos perante um conflito de interesses. A Assembleia Nacional e o deputado têm os mesmos objectivos  na salvaguarda das condições do exercício do mandato: permitir qualquer cidadão independentemente da condição social e económica exercer o mandato de deputado; assegurar que os eleitos estão livres de quaisquer pressões ou tentações; compensar por perdas particulares devido ao exercício do mandato.

 Não se tratanto de conflito de interesses o que se passa é de facto de uma denegação abusiva de direitos.

 A deliberação da Mesa da Assembleia Nacional de ... Abril de 2001 reconheceu a dívida para com os deputados nos seguintes termos:

O presidente da Assembleia quando interpelado durante a sessão de Maio de 2001 reafirmou o conteúdo da deliberação da mesa da AN.

Porque é que essa deliberação não teve expressão no Orçamento da Assembleia Nacional aprovado em Julho de 2001, nem no Orçamento aprovado em Dezembro 2001, nem ainda no orçamento de Junho 2002? 

 Uma das competências do Sr. Presidente da Assembleia Nacional é executar e fazer executar as deliberações da Mesa da Assembleia nacional. O que poderá estar a impedir o Sr. Presidente da Assembleia Nacional de cumprir com as suas competências. Não será certamente o Governo.

 A Constituição, o Regimento e a lei Orgânica da Assembleia criam todas as condições para o parlamento se afirmar como orgão soberania independente dos outros órgãos de soberania, particularmente do Governo. O artigo 65 da Lei orgânica da AN estabelece que o projecto do orçamento da Assembleia Nacional é elaborado até 1 de Outubro de cada ano e aprovado em Plenário após a aprovação do Orçamento do Estado. A primazia do parlamente é assim claramente reafirmada. O Governo na eleboração do Orçamento do Estado leva em devida conta o montante global do projecto de orçamento da AN. Depois de aprovado o Orçamento do Estado e portanto a verba global estabelecida para o parlamento é então que o plenário da AN soberanamente aprova a sua utilização.

Para o bem desta casa parlamentar e para a consecução das suas funções constitucionais é fundamental que todos os nós e particularmente os que foram eleitos para constituir os seus orgãos exerçam o seu cargo com competência salvaguardando em especial a Constituição, o estatuto dos deputados e o regimento.  Não podemos eternizar situações em que deputados se sintam pressionados ou porque vêem-se despojados de rendimentos a que têm direito ou se sintam obrigados a ficar semanas a fio na Praia longe da família e com despesas múltiplas e sem qualquer compensação.

 A resolução dessas questões que tocam a condição de deputado e estão portanto acima da cor política do deputado exige uma liderança que se devia esperar do presidente e da mesa da AN. Mas não. Pelo contrário alimenta-se um ideia peregrina que o deputado deve fixar a sua residência na Praia com o argumento vazio da produtividades dos mesmos. Como se alguém tivesse dúvida da prestação de deputados como a Sra deputada  Filomena Martins e Sr. Deputado José Manuel Andrade porque não residem na cidade da Praia.

 Entretanto, alguns deputados são forçados a mudar a sua residência para a Praia com extraordinárias perdas para os mesmos, os trabalhos das comissões especializadas sofrem com a ausência dos deputados nas ilhas e a relação entre o deputado e o seu círculo eleitoral é prejudicado.

 O n. 1 do artigo 18 do Regimento diz que o Presidente respresenta a Assembleia Nacional e vela pela salvaguarda da sua dignidade e direitos.  A dignidade e os direitos da Assembleia Nacional são a dignidade e os direitos dos deputados que o constituem. Até agora não vimos o zelo do S. Presidente e da Mesa da Assembleia em cumprir a sua função primeira. Esperamos vê-lo no futuro a bem da república e da nossa democracia.

                                                                                               Muito obrigado.

 

Comunicação Social Março de 2007

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