Denegação se salários a deputados
Outubro de 2002
Na qualidade de deputado da nação dirigi uma carta à sua Excelência o sr. Presidente da Assembleia Nacional, que passo a ler:
Praia 12 de Julho de 2002
Exmo Sr Presidente da Assembleia Nacional
Eu Humberto Andre Cardoso Duarte, tomei posse como deputado da nação no dia 13 de Fevereiro de 2001, precisamente no início da actual Legislatura.
Em cumprimento ao disposto no 28 dos Estatutos dos Deputados que estabeleceu um novo regime de compatibilidades a partir do início da VI Legislatura, renunciei aos cargos de direcção que então ocupava na empresa pública Cabmar e na empresa de capitais maioritariamente públicos Cabnave como se pode constatar pelos documentos em anexo. Obviamente que a partir da renúncia fiquei privado dos rendimentos que então auferia.
Considerando que se extrai da interpretação dos artigos 55 n2 da Constituição e 14 dos estatutos dos Deputados que o Deputado não pode ser prejudicado por causa do exercício normal do seu mandato era de esperar que findo a actividade remunaratória do recém eleito por força do novo regime de incompatibilidades a Assembleia Nacional, ou seja, o Estado, disponibilizasse o rendimento que é devido ao deputado nos termos da lei.
Não obstante a declaração do Presidente da Assembleia Nacional proferida durante a sessão plenária de Maio de 2001 e decisão da Mesa no sentido de regularizar os vencimentos devidos aos deputados, a situação de incumprimento persiste até hoje. O Estado deve-me quatro meses e meio de vencimento sem contar os enormes transtornos causados por falta de percepção de um rendimento regular e as dificuldades em cumprir com compromissos inadiáveis.
Quero com esta carta, Sr Presidente da Assembleia Nacional manifestar-lhe o meu desagrado perante toda esta situação e também pedir-lhe que tome as posições que se impõem pra resolver uma situação que é atentatória à dignidade dos deputados.
Os meus cumprimentos.
Sessenta e dois dias depois e na sequência de três notas solicitando uma resposta finalmente recebi uma carta da directora de gabinete do Presidente da Assembleia Nacional transcrevendo um despacho de 27 de Agosto que dizia o seguinte:
Comunique-se ao deputado que o assunto foi remetido para o Conselho de Administração e que de todo o modo os conflitos de interesse entre o Estado e os cidadãos podem resolver-se igualmente em sede do poder judicial, como sabe.
Deixando de lado a evidente falta de cortesia do Sr. Presidente da Assembleia Nacional em não responder pessoalmente à carta do deputado e de só proferir um despacho após muita insistência o teor do mesmo levanta algumas questões:
O Presidente da Assembleia da AN ao remeter o assunto para o Conselho de Administração sem nenhum pedido específico ao mesmo estaria simplesmente a libertar-se do problema do deputado?
Que o Presidente ao convidar o deputado a dirigir-se ao poder judicial estaria implicitamente a dizer ao mesmo que em nenhuma circusntância daria cabimento ao seu pedido? Se assim era porque não assumiu clara e frontalmente?
Penso que estamos em presença de um desrespeito sem qualificação.
O deputado exigia o que lhe era direito.
A Constituição da República estabelece no n.2 do do artigo 165 que aos deputados serão garantidas todas as condições ao exercício do seu mandato. Na alínea d) do artigo 166 diz que o Deputado tem direito aos subsídios prescritos na lei. Os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira comentando normas semelhantes na Constituição Portuguesa dizem o seguinta: Entre as condições adequadas ao eficaz exercício das funções de deputado hão de contar-se desde logo o poder dedicar-se inteiramente a elas com dispensa da sua ocupação ou profissão pública e privada. Quanto aos subsídios esses constitucionalistas dizem que não se trata de subsídios eventuais a título de reembolso de despesas ou de ajudas de custo mas de remuneração verdadeira e própria pela actividade desenvolvida. Com o parlamento a ter uma actividade quase permanente implicando a interrupção duradoura da actividade profissional, dizem os constitucionalistas “a remuneração permanente e de montante adequado funciona como garantia de que todos podem ser deputados e de que todos os deputados podem exercer o mandato a tempo inteiro.
O mais estranho neste caso é quem negava e nega o direito ao deputado é a própria Assembleia Nacional. Por isso Sr. Presidente não se trata de um mero conflito entre o cidadão e o Estado. Trata-se de um conflito inter-orgânico entre um titular de um orgão de soberania, o deputado, e o orgão de soberania, a Assembleia Nacional. E, na minha opinião não estamos perante um conflito de interesses. A Assembleia Nacional e o deputado têm os mesmos objectivos na salvaguarda das condições do exercício do mandato: permitir qualquer cidadão independentemente da condição social e económica exercer o mandato de deputado; assegurar que os eleitos estão livres de quaisquer pressões ou tentações; compensar por perdas particulares devido ao exercício do mandato.
Não se tratanto de conflito de interesses o que se passa é de facto de uma denegação abusiva de direitos.
A deliberação da Mesa da Assembleia Nacional de ... Abril de 2001 reconheceu a dívida para com os deputados nos seguintes termos:
O presidente da Assembleia quando interpelado durante a sessão de Maio de 2001 reafirmou o conteúdo da deliberação da mesa da AN.
Porque é que essa deliberação não teve expressão no Orçamento da Assembleia Nacional aprovado em Julho de 2001, nem no Orçamento aprovado em Dezembro 2001, nem ainda no orçamento de Junho 2002?
Uma das competências do Sr. Presidente da Assembleia Nacional é executar e fazer executar as deliberações da Mesa da Assembleia nacional. O que poderá estar a impedir o Sr. Presidente da Assembleia Nacional de cumprir com as suas competências. Não será certamente o Governo.
A Constituição, o Regimento e a lei Orgânica da Assembleia criam todas as condições para o parlamento se afirmar como orgão soberania independente dos outros órgãos de soberania, particularmente do Governo. O artigo 65 da Lei orgânica da AN estabelece que o projecto do orçamento da Assembleia Nacional é elaborado até 1 de Outubro de cada ano e aprovado em Plenário após a aprovação do Orçamento do Estado. A primazia do parlamente é assim claramente reafirmada. O Governo na eleboração do Orçamento do Estado leva em devida conta o montante global do projecto de orçamento da AN. Depois de aprovado o Orçamento do Estado e portanto a verba global estabelecida para o parlamento é então que o plenário da AN soberanamente aprova a sua utilização.
Para o bem desta casa parlamentar e para a consecução das suas funções constitucionais é fundamental que todos os nós e particularmente os que foram eleitos para constituir os seus orgãos exerçam o seu cargo com competência salvaguardando em especial a Constituição, o estatuto dos deputados e o regimento. Não podemos eternizar situações em que deputados se sintam pressionados ou porque vêem-se despojados de rendimentos a que têm direito ou se sintam obrigados a ficar semanas a fio na Praia longe da família e com despesas múltiplas e sem qualquer compensação.
A resolução dessas questões que tocam a condição de deputado e estão portanto acima da cor política do deputado exige uma liderança que se devia esperar do presidente e da mesa da AN. Mas não. Pelo contrário alimenta-se um ideia peregrina que o deputado deve fixar a sua residência na Praia com o argumento vazio da produtividades dos mesmos. Como se alguém tivesse dúvida da prestação de deputados como a Sra deputada Filomena Martins e Sr. Deputado José Manuel Andrade porque não residem na cidade da Praia.
Entretanto, alguns deputados são forçados a mudar a sua residência para a Praia com extraordinárias perdas para os mesmos, os trabalhos das comissões especializadas sofrem com a ausência dos deputados nas ilhas e a relação entre o deputado e o seu círculo eleitoral é prejudicado.
O n. 1 do artigo 18 do Regimento diz que o Presidente respresenta a Assembleia Nacional e vela pela salvaguarda da sua dignidade e direitos. A dignidade e os direitos da Assembleia Nacional são a dignidade e os direitos dos deputados que o constituem. Até agora não vimos o zelo do S. Presidente e da Mesa da Assembleia em cumprir a sua função primeira. Esperamos vê-lo no futuro a bem da república e da nossa democracia.
Muito obrigado.
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