Thursday, September 4, 2025

A Administração Pública e o Poder Político

 

A Administração Pública e o Poder Político

                                                Novo Jornal de cabo Verde, Maio 9, 1993

 

                                                                                                                Humberto Cardoso

            A complexidade das tarefas que se colocam a um Estado moderno não podia ser adequadamente enfrentada na ausência de uma maquina multifacetada capaz, designadamente, de implementar as politicas emanadas dos centros do poder politico, de apoiar esses mesmos centros nos processos de decisão, de realizar as correspondentes tarefas tecnoburocraticas de suporte e de prestar serviços aos cidadãos e colectividades diversas. Essa maquina e a Administração Publica.

             O enorme escopo da sua acção que a leva a estabelecer contacto directo com os cidadãos individualmente, com a sociedade, com a gestão da economia nacional e a mediar a relação com outros Estados garante-lhe uma influencia, senão Poder, que não pode ser ignorada, particularmente numa sociedade democrática.

             A contradição inerente a sua função em democracia, simultaneamente subordinando-se ao poder politico legitimado pela vontade da maioria e obrigando-se a tratar todos os cidadãos de igual modo, independentemente das suas cores politico-partidarias, é uma fonte permanente de conflito para cuja solução concorrem abordagens diversas, dependendo a natureza especifica de cada uma da trajectória historico-politica de cada pais.  

             A democracia, pressupõe, por outro lado, a relegitimização periódica do poder politico e, portanto, a possibilidade real de alternância politica. Integrar a Administração Publica nesse quadro, onde elementos de continuidade convivem com elementos de descontinuidade tanto no que respeita às politicas e acções do Estado e aos próprios agentes da Administração, os funcionários públicos, tem sido motivo de ardentes polémicas e tem resultado em soluções que, igualmente, variam de pais para pais.

             A problemática da relação do Poder Politico com a Administração Publica com o seu corolário lógico, o estatuto do funcionário público especialmente nos capítulos de direitos e deveres, foi encarada de forma das mais diversas nas diferentes democracias:

             - Na Grã-Bretanha, em conformidade com as tradições liberais puras, há uma separação nítida entre a politica e a Administração Publica. O chamado "civil service" é conhecido em todo lado pelo sua competência e profissionalismo não deixando duvidas em relação a sua imparcialidade e neutralidade.

             Esse principio é expresso no pequeno manual de direitos e deveres distribuídos a todos os funcionários"

            " Enquanto funcionário público, não deves esquecer nunca que, independentemente do valor do teu trabalho, não fostes eleito por voto popular. Num pais democrático, é o representante eleito, o membro do Parlamento que deve fixar as linhas directrizes segundo as quais o governo deve funcionar. O teu ministro ocupa seu posto porque ele pertence a maioria parlamentar. Não se lhe permite atirar a culpa sobre ti em caso das coisas correrem mal. Em contrapartida, deves servi-lo com lealdade e na medida da tua capacidade. Assim que, a seguir as eleições gerais um novo partido assumir o poder no Parlamento, e novos ministros são nomeados, pode acontecer que a Administração venha a tomar medidas exactamente opostas àquelas decididas no passado. Mas a tradição aceite. [é que] a democracia parlamentar é a forma de governo que melhor convêm ao nosso pais e [que] o interesse público de acordo com a vontade da maioria [tem prioridade] sobre qualquer politica particular"(Puget, Instituitions Administratives Etrangers, pg 346).

             Três classes distinguem os funcionários britânicos no que respeita ao exercício de actividades politica: Está livre para desenvolver actividades politicas a classe de operários e agentes administrativos subalternos; uma outra classe intermédia só pode exercer mediante uma autorização prévia; mas os altos funcionários estão barrados de qualquer posicionamento politico-partidario.

             Na Itália também se verifica essa separação rígida entre o político e o administrativo. Mas, enquanto na Inglaterra os altos funcionários participam activamente nos processos de decisão, os seus colegas italianos, conjugando a sua fraca capacidade de intervenção com a protecção da carreira, mantém-se o mais afastado possível dos políticos e dos partidos: "O funcionário italiano procura obter o máximo de garantias legais e estatutárias que permitem a sua progressão na carreira ao abrigo de intervenções de partidos e políticos, isto e relevando o critério de antiguidade" (Yves Menat, Politique comparee, pg 393).

             - Uma diferente abordagem é adoptada em países como os Estados Unidos da América, a Republica Federal Alemã e a Franca. Parte-se do principio que laços estreitos entremeiam o poder político e a Administração Publica e que é melhor confrontar abertamente os problemas inerentes a existência dos mesmos.   

             Nos E.U.A. a politização dos altos cargos da Administração Publica é norma aceite. Com a instalação da Administração Clinton esperava-se, por ex., que o presidente nomeasse 2000 altos funcionários, os quais, naturalmente, iria buscar nas fileiras do partido democrático. Já os funcionários de carreira estão por lei, Hachet Act de 1933, interditos de tomar posição em favor de qualquer partido.  

             Na R.F.A, confrontam o problema, estabelecendo limites estritos para o número de altos funcionários qualificados de funcionários políticos por serem recrutados ou demitidos seguindo critérios explicitamente políticos. O seu estatuto político e ainda manifesto nos procedimentos com vista a sua disponibilidade em caso de alternância politica que prevêem uma "reforma provisória", auferindo 75% do seu vencimento durante cinco anos. 

             Quanto aos outros funcionários devem "conservar nas suas actividades politicas a reserva e a moderação que convêm a sua posição de servidor da comunidade. [E] não (.) aparecer aos olhos da opinião pública como um militante activo de um partido político" (Puget, Instituitions Administratives Etrangers, pg 369).

             Na Franca, a relação entre o poder politico e a Administração Publica é mediada pelo Gabinete do Ministro. Esta instituto específica da vida político-administrativa francesa compreende, para alem do pessoal administrativo que dá o suporte logístico ao gabinete, o director de gabinete, uma figura chave, e os conselheiros ou assessores técnicos e políticos. É ao nível do Gabinete que "circulam as informações, se trocam ideias, se preparam e se tomam as decisões" Fournier, Le travail Gouvernamental, pg 110). 

             Ao Ministro, através nomeadamente dos meios postos a sua disposição, dá-se a possibilidade de contratar os seus colaboradores, dentro e fora da Administração, que sejam ao mesmo tempo competentes e motivados e desejosos de o servir e que, portanto, comungam da mesma linha de pensamento politico. O Gabinete, naturalmente, desaparece com a sua demissão.

             Quanto aos outros funcionários, podem perfeitamente ter uma vida politica. O estatuto da função pública facilita-lhes mesmo a derivação para uma carreira politica. Na obra citada acima, pg 125, Fournier diz a propósito: "Os funcionários têm direito a autorizações de ausência quando são candidatos às funções electivas; se forem eleitos, são colocados em posição de (destacamento) licença durante o período de exercício de mandato. Mantêm, durante o mesmo período, os direitos adquiridos em relação à reforma e a avanço na carreira por antiguidade. Perdem, em contrapartida, direitos a avanço com base discricionária (choix), para preservar a independência do administrativo em relação ao político".

             - Países como a Áustria, Bélgica e Israel cujos governos, em maior parte dos casos suportados por coligações de partidos no Parlamente, optaram por uma solução que se pode designar de consensual: "a função publica á literalmente partilhada entre os diferentes componentes políticos do pais. É [uma via] de resolução pacífica dos conflitos e antagonismos profundos, mas que pode gerar tensões ainda maiores, na medida em que o acordo firmado pelas partes em vez de reduzir as divisões, generaliza-as a todos os aspectos da vida social" (Aves Menu, Politique Comparece, PGR 401,).

             A nossa jovem democracia, a exemplo desses países devera encontrar a sua própria solução para a relação Poder Politico e Administração Publica. A Constituição da II Republica estabelece nos artigos 262, 263, 264 e 265 o quadro dentro do qual se poderá desenvolver esse relacionamento de forma a garantir o equilíbrio desejável entre a vocação da Função Publica em servir o interesse colectivo e a sua subordinação as leis e, também, as directrizes emanadas do Governo, independentemente da forca politica que de momento detém a maioria parlamentar e, portanto, governa .   

             O que devia ser a procura da nossa solução está, porem, fortemente condicionada pela aproximação feita ao modelo português, no qual se pode claramente reconhecer o resultado das mudanças especificas verificadas em Portugal no processo de  transição democrática.  

             De facto, no capitulo da Administração Publica, a nossa Constituição bebeu imenso da Constituição Portuguesa de 1976. Conhecer as interpretações dadas ao articulado respectivo por estudiosos portugueses revela-se, portanto, para nós, de maior interesse, na medida em que facilita-nos o debate das vias para a formulação de uma solução satisfatória para a problemática que actualmente enfrentamos.

             Primeiro, deve-se considerar os antecedentes históricos que, em Portugal, conduziram a adopção do modelo de relacionamento político-administrativo instituído. Isso e claramente expresso pelo deputado Jorge Miranda durante a discussão do artigo 4 do Titulo IX do Ante-Projecto da Constituição: "Talvez valha a pena todos aqueles que foram funcionários durante o regime salazarista, (..) recordarem-se das perseguições, das discriminações que então havia, e terem agora consciência de que (..) não queremos mais que essas perseguições, que essas discriminações, voltem a verificar-se. (..) Não queremos (..) que alguma vez pudesse ser invocada a qualidade de funcionário publico, o Estatuto da Função Publica, para privar os cidadãos que são funcionários do exercício de direitos políticos, nomeadamente de direitos ligados a opção partidária".

             E evidente que o modelo português surge de uma forte reacção a historia politica do pais, ao tempo, ainda fresca na memoria das pessoas. E um não firme ao "conformismo politico" ditado pelo regime de Salazar que segundo J.L Coutinho Pereira era "(..) muito distante, para pior,(..) do neutralismo esterilizante inglês. Não espanta, pois que, no definir dos direitos e deveres dos funcionários, a Constituição Portuguesa ultrapasse, em muito, os constrangimentos que outras cartas constitucionais e leis noutros países lhes impõem. 

             Isso e explicitado pelos professores Vital Moreira e Canotilho Gomes no livro "Constituição Portuguesa Anotada", pg 440, Volume II. Comentando o n 2 do artigo 269 apontam o facto de esse artigo reafirmar um direito fundamental dos funcionários com a implicação de que "(..) são actualmente inconstitucionais certos dos chamadosdeveres negativos que habitualmente se impunham aos funcionários (não opção partidária, restrições a liberdade de expressão de pensamento, autorização previa para candidatura em eleições politicas, sindicais ou administrativas, etc.).

             O modelo português de relação entre o poder politico e a administração publica, nessa base, colocou-se claramente na vanguarda das constituições e leis europeias e americanas no que respeita a garantias, dadas aos funcionários, de um livre acesso a vida politica. J.L. Pereira Coutinho reconhece isso no seu ensaio "A relação de Emprego Publico na Constituição - Algumas notas publicado nos "Estudos sobre a Constituição", volume III, quando afirma que  "(..)a nossa Constituição e das mais liberais que conhecemos".

             Ao adoptarmos em Cabo Verde, no nosso Texto Constitucional, essencialmente o mesmo articulado da Constituição portuguesa enveredamos por um caminho que em termos de ideais democráticos só nos engrandece. Mas, por o nosso ponto de partida ter sido diferente, imensas dificuldade vamos continuar a encontrar na tarefa de dar conteúdo real a relação equilibrada entre o politico e o administrativo, preconizada na nossa Constituição.   

            Portugal partiu para a construção de uma nova administração e de um novo relacionamento desta com o poder politico só após ter vivido a situação revolucionaria criada com o golpe do 25 de Abril. No período entre o Golpe de Abril e a aprovação da Constituição a antiga elite dirigente do pais foi completamente varrida e os seus agentes na administração devidamente saneados. Qualquer ligação que ainda pudesse persistir entre funcionários e antiga elite foi cortada pela raiz na própria Constituição ao proibir no n 4 do artigo 46 "as organizações que perfilhem a ideologia fascista".

            De facto de acordo com a interpretação dada a esse artigo  pelos professores Vital Moreira e Canotilho Gomes na obra citada, volume I, pg 265, "a proibição implica, naturalmente, a obrigação de dissolve-las, se constituídas (..) e se considerar ainda o artigo 163 1/d tudo leva a crer que "(..) a participação em organizações fascistas dá lugar a punição penal".

            Como essa base, Portugal, liberto das malhas do passado, estava em condições de, sem muitos sobressaltos, criar a administração idealizada na sua Constituição. O mesmo já não se pode dizer de Cabo Verde.   

            A nossa Administração Publica foi criada no contexto de um regime de partido único. A forma como foi estruturada e orientada ficou definido no relatório do Comité Executivo da Luta a Reunião do Conselho Superior da Luta, de Agosto de 1976 quando diz a dado passo: "(..) o partido exerce, de direito e de facto, um papel efectivo de orientação e controle e de dinamização do aparelho do Estado, havendo entre estas duas entidades uma intima relação, que se exprime, nomeadamente, através da participação dos mesmos responsáveis nas respectivas cúpulas".   

            As consequências dessa intima relação foram apontadas, muitos anos depois, por Renato Cardoso, então Secretario de Estado da Administração Publica, num artigo intitulado "O papel da organização politica na direcção do Estado" publicado no VP de 15/10/88. Renato Cardoso escreveu, então, que a relação Partido/Estado tem: "(..) consequências desastrosas na eficácia da administração (..) por afogamento da maquina do Estado no mar de intervenção omnipresente e omnipotente das instituições politicas..". Acrescentou ainda que "(..) o poder politico desenvolve [nessas circunstancias] uma noção limitativa da função da administração publica querendo-a instrumento amorfo das suas orientações, estabelecendo com ela relações autoritárias baseadas na desconfiança permanente e cerceando-lhe qualquer participação cívica responsável..".

            Está-se longe do conformismo politico que vigorava em Portugal no período salazarista. Pelo contrario, a politica seguida é de partidarizaçao completa dos funcionários públicos,  prestando todos eles a declaração da "sua fidelidade aos objectivos do PAIGC, (Decreto 4/76) e submetendo-se a provas onde eram examinados sobre o conteúdo do Programa desse partido.

            A administração publica cabo-verdiana era ainda forcada a um papel que a tornava mais inoperante. Servia, conjuntamente com o sector empresarial do Estado, como válvula de escape para a "politica de emprego" do regime que a partir dos últimos anos da década de oitenta viu-se em serias dificuldades para manter o nível de emprego, em face das baixas taxas de crescimento do PIB. E essa a razão porque hoje mais de 52% dos funcionários e assalariados tem menos de cinco anos na Função Publica. A maioria entrou precisamente nos anos 1989 e 1990 em que se conjugaram taxas reduzidas de crescimento do PIB com o aumento significativo do numero de funcionários e entrada em massa do pessoal ate então activo na maquina do PAICV.

            O Governo de pós-eleições de 13 de Janeiro de 1993 viu-se, portanto, a braços com uma administração com as características apontadas por Renato Cardoso no artigo citado, excessivamente pesado e com ligações fortes com o partido que incarnava o regime rejeitado. A adopção de uma Constituição que garante aos agentes  da administração publica a total liberdade de exercício dos seus direitos políticos, incluindo filiação partidária, não pode deixar de causar perturbações graves, particularmente quando o seu antigo senhor encontra-se na condição de única oposição com representação parlamentar.

            E a percepção desse facto que leva Pedro Pires, Presidente do PAICV a dizer em tom de constatação mas que mais parece ser uma promessa e/ou aviso: Além do mais, o Governo remodelado vai ser mais inoperante que os anteriores. Não basta ter ministros e produzir leis em séries; e preciso que o "binómio" Governo/Administração funcione articulada e eficazmente, e apresente resultados, o que não tem acontecido" (NJ de 12/3/94).     

            A liberdade de movimentos deixados aos funcionários pela Constituição, na situação especifica em que se vive no país onde, apesar da realização das eleições de 13 de Janeiro de 1991, ainda se digladiam as forcas presentes no momento de mudança de regime, não tranquiliza muito, particularmente quando é evidente  o peso da administração na economia do pais e na sociedade. O aparecimento de notas confidenciais do Estado nos órgãos de comunicado social em contextos claros de exploração politica do conteúdo das mesmas é sugestivo a esse respeito. E também de maior relevância as resistências notórias a abertura da economia nacional e a advogação de uma politica social como reactor a pretensa politica liberal do Governo.

            Um equilíbrio fino de papeis é deixado pela Constituição aos protagonistas, os representantes do poder politico e os agentes da administração, ao definir que, artigo 263 n 1, "os funcionários e demais agentes do estado e outras entidades publicas estão ao serviço do interesse geral (..), e que, artigo 263 n 2, "(..) não podem ser beneficiados ou prejudicados em virtude das suas opções politico-partidárias (..).    

            A propósito de possível colisão entre o exercício pleno de direitos de cidadania e a obrigação de servir o interesse geral derivada de um articulado semelhante na Constituição Portuguesa J.L. Pereira Coutinho diz o seguinte no ensaio referido anteriormente:

            "Não se criam, assim, obrigações novas quanto a vida privada ou politica do funcionário; tão só ocorrerá, em casos restritos, o prolongamento enfraquecido das obrigações funcionais. Efectivamente, os deveres funcionais não ficam do lado de dentro das repartições publicas quando estas encerram ao fim de um dia de trabalho. Seria insubsistente e meramente formal raciocinar assim.

            O que poderá é considerar-se que, em certas situações, o funcionário estará, embora fora do local de serviço, continuando a exercer funções, de forma já de si atenuada, e actuando em sentido contrario aquele que é definido pelos órgãos competentes da Administração, seus superiores hierárquicos, como sendo o que serve o interesse publico, porventura perturbando a imparcialidade que dele se exige ou o funcionamento dos serviços".

            Tomam uma posição diferente os professores Vital Moreira e Gomes Canotilho quando não aceitam qualquer reserva em relação ao exercício dos direitos dos funcionários fora do local de trabalho. Na obra citada, pg 440) esses constitucionalistas dizem o seguinte: (..) a vinculação exclusiva ao interesse publico só afecta os trabalhadores da administração publica, quando em exercício das suas funções, não podendo essa vinculação afectar ou limitar a sua vida, ou o exercício dos seus direitos quando fora delas". 

            A discordância entre os estudiosos quanto a esses pormenores do exercício dos direitos dos funcionários, no nosso caso, obriga que se dê a maior atenção ao desenvolvimento de uma cultura democrática e sua interiorização por todos os cidadãos; e se crie uma cultura organizacional na administração e uma ética que propicie esse exercício sem prejuízo dos princípios democráticos e do interesse geral da comunidade nacional.

            A via imposta pelo PAICV de mudança de regime, prenhe de ambiguidades e equívocos, teve e tem custos enormes. A continuidade de evolução de partido único para um sistema plural defendida ideologicamente por esse partido e expresso na politica de "mudança no quadro institucional existente" tornou quase impossível a reformulação completa da Administração Publica. As tentativas tímidas de refazer a cúpula da administração, emulando  basicamente o que acontece em países democráticos em momentos de alternância politica foi denunciado entre nós como "perseguições politicas".

            Na realidade, na generalidade dos países democráticos verificam-se mundaças substantivas na cúpula da administração sempre que há alternância de poder politico. Momentos de grande viragem na Alemanha em 1969 e 1983 com as saídas, respectivamente da coligação CDU-CSU a favor do SPD e NO SENTIDO OPOSTO no outro caso, resultaram na demissão de muitos altos funcionários: por exemplo, em 1969, substituíram 19 directores e 70 altos funcionários foram transferidos.  A mesma coisa aconteceu na Franca após a vitoria dos socialistas nas eleições de 1980 e após a vitoria de Jacques Chirac em 1986. Como a Administração portuguesa, após dez anos de controlo do PSD, irá reagir em caso de vitoria da oposição será algo muito instrutivo que teremos ensejo de observar.

            Independentemente das motivações politicas de quem acusa, com ou sem razão, de perseguição politica na administração publica, a verdade e que todos temos a responsabilidade de resolver o problema. Porque dividir a administração segundo linhas partidárias viola frontalmente os princípios democráticos e colide directamente com o principio constitucional de "servir o interesse geral".

            Impõe-se, pois, não obstante todas as dificuldades, dotar a nossa jovem democracia de uma administração que se conforma aos princípios democráticos e ao mesmo tempo se desenvolva dentro quadro constitucional instituído.  Igualmente, impõe-se levar o pais a normalidade de funcionamento democrático, o que implica a resolução do problema da relação entre o poder politico e administração.

            É uma tarefa que deve ser cumprida até as eleições de 1996 que se espera virem a ser realizadas num contexto absolutamente novo,  de funcionamento pleno da democracia e sem as sequelas e questões herdadas da mudança de regime. O Parlamento e o Governo são particularmente responsáveis perante a Nação pelo sucesso desse empreendimento. 

 

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