Monday, August 4, 2025

debate sobre o estado da Nação 2005

 

Debate sobre o Estado da Nação

                                                                           Humberto Cardoso

Julho de 2005

 

Sr. Presidente,  Sr. Primeiro Ministro,   Colegas deputados

                                                                                                         

O Estado da Nação caboverdiana neste ano de 2005 não é de boa saúde nem é de força e determinação para enfrentar os desafios do presente e do futuro próximo.

 No mundo globalizado que vivemos espera-se de todos os países e de todas as regiões do planeta um esforço urgente e dirigido de integração na economia mundial. Tentações noutro sentido que não o da integração está provado que não levam a lado nenhum. O Segundo Mundo hoje já não existe. Morreu com a União Soviética e os seus satélites. A ilusão de um  Terceiro Mundo suspenso entre o primeiro mundo das economias de mercado e as economias estatizadas do segundo mundo já ninguém convence.  Com poucas excepções aqui e acolá, o entendimento geral é que o desenvolvimento implica integração económica, ou seja, o desaparecimento de barreiras na compra e venda de bens e serviços no mercado internacional, facilidades na movimentação de capitais e o livre trânsito de pessoas. No processo de integração, todos procuram posicionar-se de melhor forma na cadeia global de criação de valor, a cadeia global de criação da riqueza.

 Os exemplos espectaculares da China e da India a vencer a luta contra a pobreza  e a promover a ascensão de milhões de pessoas à classe média com níveis de crescimento económico de 9,5 e 7% respectivamente revelam o caminho a seguir. Um caminho já trilhado por outras economias asiáticas como a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura  a partir da década de sessenta e setenta, por economias insulares como as Maurícias a partir de 1971 e por países europeus como a Polónia, a República Checa e os países bálticos anteriormente cativos no império soviético e, ainda, por países, outrora nas margens da Europa, como a Irlanda e a Finlândia.

 Todos esses países têm algo de comum: Assumiram como desígnio nacional o investimento na educação, o desenvolvimento de uma economia de mercado de base privada,  a criação de um ambiente de negócios dinâmico, ao mesmo tempo, concorrencial e inovador,  o desenvolvimento das vantagens competitivas gerais do país e o aproveitamento criativo das suas vantagens comparativas.

 Nenhum desses países têm petróleo. Por isso não apresentam os sinais da praga que cai sobre os ricos em petróleo: a pobreza, o subdesenvolvimento e a corrupção. Também não mostram sinais dos que se deixam apanhar por uma praga similar – a dependência da ajuda externa. O petróleo e a ajuda externa, salvaguardando as diferenças, têm algo de comum: são rendas, de uma certa forma são exteriores à economia. Como tal, são susceptíveis de serem utilizados pelos governos para comprar a sua legitimidade, para assegurar o apoio de uma elite e para manter calmas as camadas populacionais mais vulneráveis . No processo, porém, não deixam a economia real crescer, centralizam recursos e poder do Estado e entram em derivas securitárias  e repressivas para suprimir opiniões divergentes e forças da oposição.   

 São duas as principais tarefas que se espera de qualquer governo num país em desenvolvimento: primeiro, focalizar sem quaisquer reservas a atenção e as energias da nação nos processos múltiplos de inserção dinâmica na economia mundial; segundo fugir da  tentação de substituir a expectativa de crescimento económico pela expectativa de ajuda externa.

 Sr. Presidente,  Sr. Primeiro Ministro,   Colegas deputados.

 Dissemos logo no início da nossa intervenção que Cabo Verde nem está de boa saúde, nem mostra força e determinação para enfrentar os desafios que se impõem. E isso pelas razões seguintes:

        O Paicv, o partido que suporta o Governo, está em permanente conflito com o sistema de governância do país cuja base é a Constituição de 1992

        A governação do país nos últimos cinco anos pecou pela ausência de uma orientação estratégica direccionada para a economia real

        Houve uma quebra de confiança provocada essencialmente pelas dificuldades notórias dos governantes e das instituições em enfrentar a complexidade socio-económica actual, os problemas da modernidade e os efeitos da globalização

 A tensão/crispação com que o Paicv mantêm a sociedade caboverdiana ficou evidente nas celebrações do 5 de Julho. Confirmou-se, então, que a sua acção na direcção do Estado visa: primeiro forçar o país a aceitar o passado regime de partido único com os seus princípios, a sua prática e os seus heróis através da glorificação do que eufemisticamente chama de valores da independência; segundo servir-se dos bens e do poder do Estado para efectivamente controlar a sociedade e, muito especialmente, a sua juventude.

 No quadro dessa prática destrutiva e de divisão,   

Titulares de órgãos de soberania que juraram cumprir e fazer cumprir os princípios e valores da Constituição da República servem-se do Estado para resgatar valores opostos aos que solenemente prometeram defender

As Forças Armadas cuja missão primeira é defender a República e a sua ordem constitucional vêem-se forçadas a desfilar ostentando símbolos de uma outra república a par dos símbolos nacionais

O Governo, que assina acordos de ajuda externa com montantes especialmente dirigidos para acelerar a integração económica do país no mundo, glorifica os primeiros quinze anos da independência, anos que foram assumidamente de afastamento da economia mundial

A comemoração da independência, que deve ser a celebração da nossa pertença à comunidade politica-nacional,  na pluralidade das nossas opiniões e na diversidade dos nossos interesses com vista a enfrentarmos juntos os desafios do presente e do futuro, transforma-se numa sucessão de festas cujo objectivo principal é atrair jovens para a esfera de influência de quem as está a subvencionar.

 

A par da criação e da manutenção desse ambiente pouco saudável de violação deliberada das regras de convivência democrática, de confusão propositada de valores e de símbolos e de procura activa de compra de consciências, o governo não preparou o país para agarrar as oportunidades que o mundo hoje oferece. O Paicv levou Cabo Verde a desperdiçar cinco anos da sua caminhada para o desenvolvimento. 

 

Não fez as reformas que se impunham com bem o diz o Governador do Banco Central em declarações ao jornal “A Semana. O Dr. Carlos Burgo confessa não saber se é permanente ou temporária a actual situação macro-económica do país. Afirma ainda  que é necessário que o Estado proceda a reformas para se atingir o ponto de não retorno. Nesse aspecto é incisivo e  diz, cito, “Refiro-me concretamente à administração pública, formação profissional, previdência social, legislação do trabalho, etc,. Com a nossa legislação e o mercado de trabalho que temos, por exemplo, não vamos a parte nenhuma”(fim da citação). 

 Sr. Presidente,  Sr. Primeiro Ministro,   Colegas deputados

 A conjuntura internacional é favorável a Cabo Verde em vários aspectos designadamente enquanto destino turístico e exemplo de país com um sistema de governância a funcionar a níveis aceitáveis. As janelas de oportunidade que se estão abrir ou poderão surgir no próximo futuro dificilmente serão bem aproveitadas. A governação do país viu-se inquinada por interesses politico-partidários de curto prazo e por uma falta de visão estratégica fruto do grande dilema com que o Paicv se confronta permanentemente.  O dilema de saber que se cria condições de desenvolvimento autónomo de pessoas e das ilhas pode perder o controlo do país; mas se controlar excessivamente o acesso a recursos internos e externos mata o crescimento económico e perde na mesma o país.

A solução para o dilema encontrada pelo Paicv  foi e continua ser: a ajuda externa. Os recursos entram através do Estado, e o Governo através da administração controla centralmente a dispensa dos fundos, seja para os municípios, para o sector privado, para as associações comunitárias, para os jovens, etc, etc. O crescimento económico que resulta daí não é muito mas todos ficam dependentes e controlados pelo Estado. Sempre que forçado a escolher entre  desenvolver Cabo Verde e controla-lo para se perpetuar no poder  a opção do Paicv foi sempre: controlo, controlo, controlo. 

 Por isso é que a expressão mágica que o Paicv procura enfeitiçar os caboverdianos é  credibilidade externa. Não é credibilidade das nossos produtos ou dos nossos serviços ou segurança das nossas cidades, vilas e praias, ou ainda a exuberância da nossa música e da nossa cultura. É a credibilidade do Estado em gerir os recursos postos à sua disposição por doadores.

 É na busca dessa credibilidade que a atenção do governo do Paicv  se concentra.   Por isso é que,

reformas fundamentais referidas pelo Governador do banco central ficaram por fazer .

Que nestes cinco anos não se pôs a ênfase necessária na qualidade do ensino e o Estado foi incapaz de propiciar o ensino universitário público fundamental .

Que na questão essencial de água e energia o Estado falhou três vezes: falhou na qualidade de accionista da Electra, falhou como gestor do contrato de concessão e falhou enquanto promotor de uma política energética que sirva o país nestes tempos de alta dos preços do petróleo.

Que o Estado não soube criar em tempo um ambiente de regulação que permitisse a proliferação de iniciativas nas áreas da tecnologias de Informação e Comunicação  para potencializar os investimentos já realizados no domínio das telecomunicações e  para criar uma base de exportação de serviços ligados às TI.

Que o Estado se coibiu de promover o país e de encontrar vias de atracção do capital externo que substituíssem as vias habituais considerando o fim pré anunciado em janeiro de 2005 do sistema generalizado de  preferências (GPS) e do (multi fiber agreement) MFA. O desinvestimento que se está a verificar na zona industrial do Mindelo é consequência disso .

Que o Governo não soube reconhecer os problemas de segurança emergentes e adequar a polícia e as forças de segurança  aos novos desafios. 

 Pelo contrário, a atenção do Governo esteve virada para tudo fazer para que Cabo Verde não deixasse de ser considerado país de PMD, para não sofrer a diminuição de ajudas. Perdeu tempo e falhou como era de esperar. Depois o Governo embarcou na procura de parceria com a União Europeia, nas palavras do Sr. Primeiro Ministro, para ter acesso aos fundos estruturais, ou seja mais ajuda. Recentemente o Governo tem-se banhado na glória da ajuda orçamental, uma flexibilidade introduzida pelo doadores que, esperamos, não esteja a ser desperdiçada nos cheques assinados por todo o país. O MCA Millenium Challenge Account tem sido apresentado como a jóia da coroa de sucessos deste governo. O Governo, convenientemente, esquece-se de dizer que o programa de investimentos é para cinco anos, que a nova filosofia do MCA é que os desembolsos são feitos mediante apresentação de resultados e que a razão de ser dessa ajuda americana é a integração na economia mundial.

 

Sr. Presidente,  Sr. Primeiro Ministro,   Colegas deputados

 

A aversão do Paicv em ver o crescimento económico como motor do desenvolvimento ficou visível no mal disfarçado contentamento com o Paicv em Dezembro de 2003 recebeu os resultados do inquérito do INE sobre a estrutura de despesas das famílias e a interpretação errónea que então se fez:  Segundo o INE o forte crescimento económico da década de noventa teria gerado fortes desigualdades de rendimento.  O Paicv desde sempre procurou provar que crescimento económico gera desigualdades sociais mas que no tipo de desenvolvimento que preconiza, baseado na dispensa pelo Estado da ajuda externa e de outros recursos, dá garantias que todos terão alguma coisa. Pouco, mas terão.

 

Esse é o canto de sereia que o Paicv procura desviar Cabo verde do rumo que outros países já seguiram com sucesso. Durante os primeiros quinzes anos da nossa independência ficamos isolados da dinâmica da economia mundial recebendo só migalhas para que os então dirigentes pudessem consolidar o seu poder sobre os caboverdianos. Agora, são cinco anos desperdiçados numa tentativa de resgate de uma suposta época áurea que só nos trouxe baixo nível de crescimento económico e uma falta de preparação gritante para aproveitar as oportunidades que a actual conjuntura oferece a Cabo Verde.

 

É preciso que povo de Cabo Verde diga um basta às tentativas sucessivas do Paicv em desviar-nos do caminho certo.     

                                                                                          Muito obrigado

Friday, June 27, 2008

Má Governação em evidência? 2008

Antes da ordem do Dia: Má Governação em evidência?   2008

 

Má governação em evidência?

Períodos eleitorais são normalmente extraordinariamente elucidativos acerca das formas de actuação dos diferentes actores políticos. 

Deixam, particularmente, a claro as tentativas de instrumentalização do Estado em benefício dos interesses partidários da força política que suporta o Governo. Revelam, para além de toda a retórica e a propaganda oficial, as ainda frágeis bases de governança ou governabilidade do País. 

Vem-se se multiplicando, nos últimos tempos, alguns sinais de má governação. Governança, ou como o PAICV prefere, governação,significa respeito pelo primado da Lei, a transparência e prestação de contas na actuação dos governantes e ambiente institucional adequado para a criação, desenvolvimento e implementação de políticas públicas. 

De facto, há indícios de má governaçãoquando o Governo desdobra-se em reuniões de conselho de ministros descentralizados nos meses que precedem as autárquicas. Pelo menos cincos se realizaram nos últimos três meses. E alguns foram seguidos de apresentação de candidatos do partido no Governo às eleições municipais. Quanto aos efeitos na resolução dos problemas das localidades e das populações, a posição, por exemplo, do presidente da comissão instaladora de S.Salvador é esclarecedora: utopia, nenhuma resposta concreta, as pessoas não têm oportunidade para os esclarecimentos adicionais e terem as informações, …na prática deixa as pessoas mais angustiadas. Ou seja, trata-se basicamente um show off de onde se procura, simplesmente, extrair ganhos partidários. 

Há indícios de má governação quando membros do Governo, frequentadores assíduos dos seus municípios de origem, em missões de Estado poucas vezes ligadas às suas competências específicas, se apresentam como candidatos às autárquicas. A impressão que fica é que de há muito vêm-se preparando para tal, com óbvios prejuízos para a acção do Estado e para a relação do Estado com o Poder Local. O Estado perde porque a intervenção do membro do Governo submete-se à necessidade de se construir a sua imagem junto às populações como futuro candidato autárquico. E, de passagem, envenena-se a relação com a câmara porque os seus actuais titulares são vistos como rivais directos na corrida eleitoral. 

Há indícios de má governação quando o partido no Governo, recorrentemente, recruta para os principais cargos autárquicos funcionários públicos, que ganharam proeminência nos concelhos enquanto chefes de serviços desconcentrados do Estado que lidam com as populações. Os agentes do Estado, segundo a Constituição, estão exclusivamente ao serviço do interesse público e estão obrigados a agir com respeito estrito pelos princípios de justiça, isenção e imparcialidade não podendo beneficiar ou prejudicar outrem em virtude das suas opções político-partidárias. Tornar, designadamente, chefes de delegação de Educação, de serviços de Agricultura, do ICASE em instrumentos de actividade partidária não abona para a qualidade, a lealdade e a solidariedade que, em nome dos interesses das populações, devem caracterizar as relações entre os órgãos municipais e os serviços do Estado nos concelhos. Também, decididamente não ajuda muito no estabelecimento de boas relações institucionais Estado/Poder Local a decisão de preparar o director geral de descentralização, do Ministério que tutela os municípios, como candidato a presidente de uma das câmaras. 

Há indícios de má governação quando todos os presidentes das comissões instaladoras dos novos municípios são apresentados pelo partido no governo como candidatos a presidente da câmara. Ao mesmo tempo que o esforço do Estado e a solidariedade nacional traduzida nos investimentos públicos extraordinários feitos nesses municípios são dados pelo próprio primeiro-ministro, em ambiente de campanha eleitoral, como obra pessoal dos presidentes das comissões instaladoras, transformados em candidatos. A instrumentalização de meios e recursos do Estado para fins partidários é também neste caso por demais evidente.

Há indícios de má governação quando na presença do Sr. Primeiro Ministro em Santa Catarina na ilha do Fogo, pela boca do presidentes da comissão instaladora, o País fica definitivamente a saber que o pintar de amarelo as obras do Estado é parte de um esforço de criação da uma onda amarela claramente identificável com o partido no Governo. Que a cor amarela em palácios de justiça, aeroportos, centros de saúde, escolas, centros de juventude etc etc é a manifestação de um partido em permanente campanha, usando recursos do Estado, aproveitando-se das obras do Estado e servindo-se da exposição mediática privilegiada dispensada às cerimónias oficiais para influenciar os eleitores. 

Há indícios de má governaçãoquando o Gabinete de Assessoria de Imprensa do Primeiro Ministro edita no mês das eleições autárquicas uma revista de propaganda oficial, a revista Ilhas, ricamente financiada pela publicidade de grandes empresas privadas do país. Das muitas questões que tal financiamento suscita, uma é inescapável, pelas suas graves implicações: A decisão comercial dessas empresas privadas em fazer publicidade numa revista do Governo visa o quê!? Certamente que não é para atingir clientes potenciais dos seus produtos e serviços, considerando que a revista pela sua própria natureza não tem uma estratégia comercial. Só pode, então, ser agradar ou ficar nas boas graças do Sr. Primeiro Ministro que é quem assina o editorial da Revista. Se assim é, à impropriedade do aproveitamento de subvenções privadas para propaganda do partido no Governo, em vésperas de eleições, junta-se o potencial de criação de relações promíscuas dos poderes públicos com o sector económico em que todos, o País, os cidadãos e os agentes económicos saem a perder. 

Em Cabo Verde, avançar no sentido da boa governança obriga a que se dê combate permanente à tentação de se reinstalar o partido/Estado em Cabo Verde. 

O esforço de construção institucional do Estado de Direito deve ser acompanhado de uma profunda renovação da cultura política. E a relação com os cidadãos terá que deixar de se caracterizar pelo paternalismo, pelo aprofundamento da dependência das populações e pelo recurso à instrumentalização do Estado para influenciar o eleitorado. 


Comunicação Social Março de 2007

 Discurso sobre Comunicação Social        Março de 2007 A Constituição da República apresenta como direitos fundamentais dos cidadãos a li...