Friday, May 27, 2005

Debate da lei de Defesa e Segurança 2005

 

Intervenção na discussão da Lei de Defesa e Segurança 

 

                                                                       Humberto Cardoso      24/5/056

 

Ontem discutimos as grandes opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional. Fizemos o enquadramento nacional internacional e regional da problemática da defesa e segurança. Inventariamos as ameaças existentes e as emergentes. Chegamos à conclusão de que a natureza das ameaças emergentes não se enquadra precisamente no que anteriormente se poderia classificar de ameaças externas que exigiam uma resposta no domínio da defesa e particularmente da defesa militar nem no que poderia se chamar de um problema de ordem pública e segurança para o qual naturalmente seria chamada a polícia para intervir.

 Dado o caracter novo das ameaças emergentes, o Governo apresentou as opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional cujo enquadramento constitucional não é claro porque a Constituição distingue precisamente a defesa nacional e a segurança interna, e a lei 62/IV/92 de 30 Novembro no seu artigo 6 estabelece que o Governo deve aprovar o conceito estratégico de defesa nacional. Não há referência na lei (que eu tenha conhecimento) de qualquer exigência para a apresentação do conceito estratégico de segurança interna.

 O Governo avançou com um novo conceito que é o de segurança nacional englobando a problemática da defesa e da segurança interna. A constituição não dá cobertura a isso pelas razões expostas de diferenciação entre ameaça externa e ameaça interna. Os meios institucionais, previstos na constituição, FA e Polícia têm diferenças quanto à sua tutela. Enquanto a polícia depende essencialmente do Governo as Forças Armadas estão sob o controle conjunto dos órgãos de soberania a começar pelo presidente da república que é comando supremo das forças armadas mas envolvendo a Assembleia Nacional que tem a competência exclusiva de legislar sobre a organização da defesa até a autonomia de que a Forças Armadas vislumbrada na nomeação do chefe de estado maior pelo Presidente da república sob a proposta do governo e ouvido o Conselho superior de defesa nacional. Isso sem falar que as forças armadas são constituídas através do serviço militar obrigatório e portanto tem efectivos renovados em consequência do cumprimento de um dever do cidadão em servir a Pátria.

 A reunião ou conjugação de forças tão díspares mostra-se difícil senão impossível. O único aspecto comum às duas forças é a posse de armas e a possibilidade de exercer a violência em nome do Estado, salvaguardando-se porém que a violência das forças armas é dirigida para o exterior e tem basicamente como limite as convenções internacionais sobre a guerra e a polícia actua no campo interno respeitando e defendendo os direitos liberdades e garantias dos cidadãos.

 A revisão constitucional de 99 alargou a possibilidade de colaboração das forças com as forças de segurança armadas no combate ao crime  através da alínea b do n. 2 do artigo 244 mas no âmbito da vigilância , fiscalização e defesa do espaço aéreo e marítimo e sob a responsabilidade da polícia. O alargamento da missão das forças armadas não lhe dá de facto um papel na segurança interna que de acordo com o n.1 do artigo 240 continua a ser garantido em exclusivo pela polícia.     

 O problema que se nos pôs ontem no âmbito das discussões das grandes opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional é como usar os recursos do país para enfrentar as ameaças existentes e as emergentes. O MpD na sua intervenção colocou uma série de questões designadamente:

Qual deve ser o papel das forças armadas? Na nova conjuntura deve-se manter ou não as forças armadas?

Que tipo de força se adequa mais à necessidade urgente de policiamento das nossas costas águas arquipelágicas, águas territoriais e zona económica exclusiva

Qual deve ser o papel da POP?  Qual o seu papel no combate ao crime? 

O que se deve fazer para focalizar a actividade da polícia judiciária na luta contra os crimes complexos  e aumentar a sua capacidade  analítica?

Será de interesse para o país a criação de uma força de segurança para militar a exemplo de vários outros países que vigie as nossas costas e e dê um apoio mais robusto à acção das ouras polícias? 

Qual deve ser a nossa estratégia em matéria de cooperação no domínio de Segurança? Parece-nos evidente que uma vertente central dessa cooperação terá que orientar-se para a protecção das nossas águas e da nossa zona económica exclusiva.

 O Governo optou por não engajar a oposição na procura de respostas a essas questões. Respostas que poderiam ajudar-nos a todos a ultrapassar os constrangimento colocados pela constituição derivados da nova realidade vivida no país e no mundo.

 O Governo com a lei de defesa e Segurança que apresenta hoje revela que tem as suas próprias soluções. Que não lhe preocupa se o enquadramento das suas soluções na constituição é no mínimo duvidoso. Que a oposição em várias ocasiões desde do debate sobre a segurança verificada na sequência do 11 Setembro vem vocalizando a necessidade de repensar as questões de defesa e segurança do país mostrando a sua disponibilidade para colaborar com o governo nessa matéria. Que desde de novembro do ano passado pode-se desencadear a revisão ordinária da constituição, abrindo portanto a possibilidade de fazer as adequações que se impões em sede de revisão e encontrar soluções novas para os problemas de hoje. Que uma lei como esta exige uma maioria qualificada  de dois terços e que portanto o governo deve fazer um esforço maior para conseguir uma convergência de vontades nesta matéria.

 A despreocupação do governo revela-se ainda quando parte do edifício jurídico de defesa e segurança não segue uma lógica própria em que sequencialmente deveria vir discussões preliminares entre os partidos face às novas ameaças, entendimentos quanto à adequação constitucional, à aprovação de novas leis, estruturando os sectores de segurança nacional, e, posteriormente, à aprovação de leis criando as novas instituições e serviços. Pelo contrário, verifica-se que leis como a autorização legislativa para a criação da polícia nacional e a criação do serviço de informações da república, ou seja as leis das novas instituições e serviços, antecederam em três e dois meses respectivamente a apresentação da lei estruturante que se está a fazer hoje.

 Há alguma aqui que não funciona. Ou o governo não consegue agir com coerência básica e afinal a distinção entre a defesa e segurança interna mantêm-se com o Ministro da administração interna a fazer avançar os seus instrumentos no seu próprio timing ou como dissemos ontem o governo não está de facto de mão livres para discutir a problemática da segurança, uma matéria tão vital para o Cabo Verde, para o bem estar da sua população e o seu desenvolvimento.

 Renovamos pois o nosso desejo de colaborar com o Governo e o paicv na redefinição e reestruturação do sector. Convidamos o paicv, a juntos, e, começando pela revisão constitucional, (que aliás, a confiar nas notícias já veiculadas,  o processo vai ser, hoje, por vós desencadeado), a  desenvolvermos o trabalho de pôr de pé o sistema de segurança nacional  seguindo os procedimentos correctos.

Monday, August 25, 2003

Debate sobre Estado da Nação 2003

 

A consolidação da democracia caboverdiana vem sendo prejudicada sistematicamente pelas preferências de actuação política do Governo.

 É evidente, por exemplo, que o Governo com o apoio da sua maioria parlamentar procura reduzir aos olhos da sociedade caboverdiana o papel do Parlamento.  A interpelação da sessão plenária anterior foi ilustrativa disso: o Governo escondeu-se atrás dos deputados do Paicv para não responder às questões e prestar esclarecimentos à Nação quanto à condução de políticas em sectores chaves da vida caboverdiana. O Sr Primeiro ministro, por sua vez,  escondeu-se atrás do Governo para só falar no fim do debate e assim não ter contraditório.

Mas para eles isso é natural. Muitos no Paicv são como aquele deputado que reiteradamente vem dizendo que tem orgulho do percurso passado do Paicv, ou seja tem orgulho também do seu percurso anti-democrático. Dos tempos que consideravam a democracia representativa como democracia burguesa e portanto deficiente. Assim não gostam de lidar com um parlamento democrático onde o governo tem prestar contas, as leis têm que ser debatidas no contraditório e as soluções negociadas e consensos não podem ser impostos.

 Da mesma forma não gostam de lidar com os órgãos representativos do poder autárquico eleitos na base de programas apresentados às comunidades locais.  Preferem trabalhar grupos com interesses mais focalizados porque sonham com a facilidade, a dependência e a obediência que no passado conseguiam das organizações de massa. Daí a enorme satisfacção em aprovar a lei das comissões regionais de parceiros onde grupos comunitárias se associam ao Estado, supostamente em pé de igualdade, para atraírem fundos aprovados pelo Estado. É a troça da democracia e da liberdade de associação.

A democracia caboverdiana sofre com as tentativas sucessivas de resgate de práticas, formas de actuação política  e de ideias do passado antidemocrático. O Paicv é um partido demasiado preocupado em defender o seu passado para se preocupar devidamente com o mundo de hoje e com o futuro. A crispação que existe na política caboverdiana, e que eles cinicamente também se reclamam, tem precisamente aí a sua origem.

 Claramente que o Paicv preferiria viver sem a oposição do MpD. Preferiria uma oposição decorativa. As manobras que faz, designadamente as reveladas pelo ex-dirigente do PRD em relação às negociações em curso com o Governo de dívidas de campanha em troca de brandura nos ataques à governação indiciam uma real dificuldade de lidar com a natureza plural da democracia. Com manobras do género não há forma de os partidos desenvolveram uma cultura de aceitação mútua e trabalho conjunto que se revele fecunda para o país.

 As reformas do estado, designadamente as reformas da Administração pública e as reformas das forças armadas não deram nenhum passo significativo. As despesas do funcionamento do Estado aumentaram significativamente de mais de cinco milhões de contos, agravando o deficit orçamental mas sem que os cidadãos, os operadores económicos e quaisquer utentes dos serviços públicos tenham notado qualquer melhoria no atendimento, na rapidez de resolução das solicitações e na tomada de decisões atempadas para as necessidades e opções de vida de muitos que procuram investir ou dar um rumo à sua vida ou aos seus negócios.

 A conciliação da segurança e ordem pública com os direitos fundamentais dos cidadãos arduamente conquistados é um dos princípios fundamentais a salvaguardar quando construímos e consolidamos as instituições policiais do país como instituições da democracia. Ficamos preocupados quando com uma leveza tremenda vemos o Governo a assinar acordos de cooperação com o Ministério Interior de Angola, um país amigo mas que só teve eleições há doze anos atrás e acabou de sair de uma guerra civil brutal. A cooperação só poderá ser, esperamos, de eles absorverem a nossa experiência e não o contrário. A falta de sensibilidade democrática deste governo às vezes espanta.

As reformas não avançam porque não aí e que o Governo tem os olhos postos e não por aí que pensa permanecer no poder. De facto não é pela demonstração de competência na resolução dos problemas do momento e em preparar o país para enfrentar os desafios do futuro que este Governo pretende merecer a confiança dos caboverdianos.    

 Para fazer as reformas o Governo teria que fazer um esforço de ouvir, debater, negociar e decidir. Só lideranças fortes conseguir fazer tudo isso com tranquilidade e com firmeza. O Governo está demasiado preso das bases do partido. A persistência da retórica de campanha, do discurso de resgate e dos ajustes de contas é prova da prevalência da lógica primária das bases. É por isso que o Primeiro Ministro, citado por um jornal da capital diz que “..na formação do Governo, nomeação de pessoas para empresas, directores-gerais, etc., tem agido como presidente do partido”. Assuntos do Estado recebem o tratamento estritamente partidário. Não se pode ir longe assim. O curto prazismo das bases não é reconciliável com as necessidades a médio e longo prazo do país.

 O Governo compensa a sua incapacidade com autoritarismo. Procura fazer as coisas à força. Tenta repetidas vezes passar por cima da Constituição e das leis. Age sem rebuços no afastamento de pessoas de posições nos serviços públicos a todos os níveis precisamente para inspirar a ideia que ninguém escapa ao seu olhar atento. Compra bens serviços a quem bem entende e deliberadamente para privilegiar uns em detrimento de outros. É por isso que chumba liminarmente um projecto de lei do MpD em criar as condições concorrenciais e justas para operadores económicos fornecer bens e serviços ao Estado. A ideia de força e de controle domina a acção política do Paicv. Sente-se isso no parlamento, na Administração Pública, no Poder Local e na sociedade caboverdiana.

 A forma como ao longo deste um ano agiram em relação aos tribunais especialmente em relação ao Supremo Tribunal de Justiça e aos seus juizes é bastante ilustrativo a esse respeito. O posicionamento contra instalação do Tribunal Constitucional não obstante as opiniões reiteradas de vários sectores da sociedade caboverdiana revelam a persistência do culto da força e intimidação ainda no forma de estar e de actuar do Paicv.

Uma arrogância tremenda acompanha essa postura política. Arrogância que procura classificar caboverdianos ou posições e opiniões tomadas por caboverdianos de patriótica e antipatrióticas. Arrogância de quem acredita que repete mil vezes mentiras nas caras das pessoas elas hão de curvar-se e aceitar como verdadeiro o que é claramente falso.

Mil vezes se ouve que a imprensa é mais livre, que os orgãos públicos de comunicação social estão mais isentas. Mas quem vê a televisão e ouve a rádio  sente perfeitamente como a política do resgate se manifesta em múltiplos programas. A intoxicação ideológica aí produzida esquece que o país teve um regime de partido repudiado universalmente e que a actual república baseia-se em princípios e valores diametralmente opostos. E fundamentalmente esquece o papel  esperado dos orgãos públicos que no quadro do que é subjacente à democracia deve promover o pluralismo das ideias.

Por isso é que Ministros falam de confiança política em directores de orgãos de comunicação do Estado quando a lei é clara que as direcções desses orgãos devem ser independentes de poderes políticos, administrativos e económicos.

O outro lado do autoritarismo é a desresponsabilização. O Governo mesmo a meio do seu mandato ainda não assume a responsabilidade dos seus actos. Nos países mais benevolentes a opinião pública aceita até seis mês após as eleições para o novo governo ainda se reclamar da herança recebida. Não mais. Em Cabo Verde já vamos em trinta meses e o Governo e o Paicv não permite que o país discuta a governação. Insiste em arrastar o país e a sociedade para a discussão do passado culpando tudo e todos, mas deixando de lado a impreparação com que entrou para o governo, a dificuldade em aprender governando, e principalmente a fraqueza e a falta de liderança em convencer as suas hostes que o país é muito diferente da imagem que produziram para efeito de campanha e que os desafios da modernidade não se compadecem com políticas de resgate do passado.

A problemática da cessação de mandato

  A problemática da cessação de mandato                                                                                               ...