Thursday, August 25, 2005

Debate do conceito estratégico de Defesa Nacional 2005

 

Intervenção no debate das grandes opções do conceito estratégico de defesa e segurança

 

                                                                       Humberto Cardoso   (23/5/05)

 

A problemática da segurança das nações é hoje vista num outro prisma devido essencialmente a dois fenómenos recentes: o fim da guerra fria e a aceleração da globalização.

 De facto, com o desaparecimento da União Soviética, os  Estados Unidos da América afirmaram-se como a única potência capaz de projectar força ao nível planetário. Despontou uma nova era em desaparecem as guerras entre Estado-Nações. Não terminaram porém os conflitos armados e as ameaças à paz . Os protagonistas  dos novos conflitos passaram a ser entidades infra estatais e as motivações de natureza étnico e religiosa. O terrorismo, que até então se tinha mantido contido e instrumental no quadro das necessidades tácticas de lutas com objectivos mais abrangentes, ganhou foros estratégicos visando aplicar profundos danos materiais e maximizar perdas humanas, especialmente de civis.

 O processo de globalização alargou-se com a inserção na economia mundial de várias países anteriormente na órbita soviética e  com o aprofundamento da integração económica da China e da India e acelerou com os extraordinários investimentos e inovações nas tecnologias de informação e comunicação realizados ao longo de toda década de noventa. Os níveis de conectividade entre pessoas e regiões do globo aumentaram exponencialmente.

 Entidades terroristas como Al Qaeda aproveitaram-se das novas condições para desenvolverem uma rede com alcance mundial  e de fazer convergir numa plataforma de interesses comuns o terrorismo internacional e actividades criminosas organizadas como o tráfico de drogas, tráfico de armas, tráfico humano e operações de lavagem de dinheiro. Paralelamente e particularmente através da Internet,  muitos, no mais perfeito anonimato ganhavam acesso a informações, produtos e técnicas que punha à disposição de indivíduos e de pequenos grupos uma capacidade de destruição anteriormente reservada a forças militares.

 A destruição das torres gémeas do World Trade Center em Nova Iorque no dia 11 de Setembro de 2001 no âmbito de um ataque sincronizado em que também eram alvos o Pentágono e a Casa Branca revelou o aparecimento de uma nova ameaça à segurança das nações. Uma ameaça transnacional, que se manifesta sem se identificar, que procura infligir o maior estrago possível e provocar o maior número de vítimas, de preferência civis, e que activamente procura pôr à sua disposição todo o tipo de armas de destruição massiva , sejam elas nucleares, químicos, biólogicos  e radiológicos.

 Com esse tipo de ameaça, em que indivíduos e grupos agindo como criminosos realizam actos de guerra, esbate-se significativamente a tradicional separação entre a segurança interna e a segurança externa. 

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Sr. Presidente

 A Constituição da República no artigo 242 e seguintes referentes à Defesa Nacional e o artigo 240 dedicado à polícia faz uma diferenciação clara entre a o conceito de defesa nacional e o conceito de segurança interna. Nesses mesmos artigos a Constituição atribui às forças armadas a tarefa de fazer face a ameaças ou agressões externas e à polícia e forças de segurança a responsabilidade de garantir a segurança interna, defendendo em simultâneo os direitos dos cidadãos e a legalidade democrática.

 A distinção feita pela Constituição da República reflecte uma época em as ameaças ou agressões do exterior eram claramente identificáveis nas declarações, actos ou movimentação de forças de outros Estados. Manifestações de hostilidade não se confundiam nem na forma nem nos métodos e, muito menos, no poder de fogo com qualquer ameaça interna. Hoje, porém, dificilmente  se pode fazer essa distinção. Entretanto, persiste o constrangimento constitucional.

 Tudo leva a crer que na ausência de uma revisão constitucional que permitisse uma abordagem conjunta da problemática da defesa e da segurança interna no âmbito de um novo conceito de segurança nacional somos obrigados a discutir separadamente as opções do conceito estratégico de defesa nacional e as opções do conceito estratégico de segurança interna. É o que aliás se vai fazer em Portugal, com a discussão já anunciada pelo Ministro português António Costa das opções do conceito estratégico de segurança interna.

 A discussão das grandes opções para além de definir os aspectos doutrinais e organizacionais, de diferenciar os aspectos estratégicos dos operacionais, clarifica missões e estabelece sistemas de forças. Ora a polícia e as forças armadas são completamente diferentes. A função de polícia é uma função da Administração portanto, segundo os constitucionalistas  directamente sujeita ao governo. As forças armadas constituídas com base no serviço militar obrigatório são na realidade um corpo de cidadãos armados para a defesa da Pátria em que os vários orgãos de soberania a começar pelo Presidente da República que é o Comandante Supremo das Forças Armadas têm competências na sua organização funcionamento e disciplina.

 As forças armadas são treinadas para responder de forma decisiva e letal a qualquer agressão do exterior. À Polícia exige-se uma actuação efectiva, mas responsável, com sentido de proporcionalidade e respeitando escrupulosamente os direitos fundamentais dos cidadãos. Os meios, os métodos e a estratégias de actuação não podem ser os mesmos. 

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Sr. Presidente

 terrorismo afirmou-se de facto como a ameaça mais letal enfrentada pelas sociedades modernas. O caracter global das suas actividade e a utilização sistemática dos recursos da sociedade moderna, particularmente das tecnologias de informação e comunicação, fazem de todos os países do mundo potenciais teatros de operações. Os países, ou são alvos, ou funcionam como bases logísticas dos terroristas ou transformam-se em refúgios e esconderijos onde em  momentos de aperto combatentes diluem-se na população.

Cabo Verde, um país que progressivamente vai se apercebendo de que as suas esperanças de

se desenvolver passam pela construção inteligente de uma dinâmica com a economia mundial, no quadro da globalização, não pode ficar alheio a esses perigos nem deixar de se preparar para os enfrentar .

A consolidação da liberdade e da democracia está intimamente ligada ao sucesso que se obtiver no processo de desenvolvimento designadamente em elevar significativamente o nível de vida da população com crescimento da riqueza nacional e com criação de emprego. Esse sucesso só é possível se efectivamente se souber construir relações económicas frutíferas com o mundo, envolvendo exportações de bens e serviços, atracção de investimento significativos para o país e produção de fortes fluxos turísticos capazes de emprestar dimensão crítica a muitos sectores da economia caboverdiana. Um factor chave do nosso sucesso é o nível de segurança atingido em todos os pontos do território nacional e a garantia que se dá aos outros que o  nosso território, a nossa sociedade e as nossas instituições não dão guarida a factores propiciadores de tráficos e práticas criminosas.

Nesta perspectiva, para nós, a  definição de um conceito de estratégia de segurança nacional no seu sentido lato passa pela compreensão dos requisitos que o processo de globalização impõe a todas as economias e a todas as sociedades, passa pela necessidade de se adequar a atitude nacional à exigências de uma interacção intensa com o mundo, uma interacção prenhe de potencialidade mas também de perigos,  e passa ainda pela capacidade de lançar um olhar crítico, firme e criativo pelas nossas instituições, pela forma como os recursos são alocados internamente e pelas abordagens muitas vezes despidas de visão estratégica com que se enfrentam os problemas do país.

Aos condicionalismos globais a considerar nesse exercício devemos juntar os de natureza regional.

O posicionamento de Cabo Verde na região ocidental africana numa zona onde se cruzam rotas internacionais de tráfico de drogas, de armas e de pessoas coloca o país necessáriasmente nos ecrans dos radares tanto dos traficantes como dos países alvo desses tráficos. A situação actual de ameaças permanentes de desestruturação de estados nesta zona em consequência de conflitos étnicos e religiosos como aconteceu recentemente em Serra Leoae Libéria, está acontecer na Costa do Marfim e poderá vir acontecer na Guiné Bissau põe Cabo Verde na contingência de se ser ver  a braços com fluxos insustentáveis de imigrantes ou refugiados. A fronteira porosa que se mantem, no quadro da CEDEAO, com esses países em perigo de se transformaram em Estados falhados agrava exponencialmente os efeitos da nossa proximidade desta região.

As ameaças à segurança nacional são múltiplas. Desde logo a necessidade de se controlar o fluxo de imigrantes numa realidade como a caboverdiana de população diminuta e  distribuída esparsamente pelas ilhas. Gerindo o fluxo Cabo Verde  poderá ganhar  e evita-se o desenvolvimento de sentimentos xenófobos. Por outro lado, o controle das fronteira deve ser rigoroso para impedir designadamente que elementos de entidades sub estatais associados aos múltiplos tráficos que antes sustentarem os seus conflitos venham prosseguir as suas actividades no nosso país.

Todo o desenvolvimento de Cabo Verde poderá ficar comprometido se deixarmos passar a péssima imagem de Cabo Verde ser uma espécie de ponte entre regiões instáveis da África e a Europa.

Sr. Presidente....

A natureza das ameaças actuais impõe que debruçemos de forma séria e comedida sobre as nossas múltiplas realidades

- a realidade fisica do nosso país, um país arquipélago com dez ilhas e ilhéus com cerca de 965 Km de linha costeira,

- a realidade geografica de estarmos situados numa região onde há sinais de desestruturação de estados e  onde se cruzam rotas de tráficos diversos, ligando três continentes,

- a realidade demográfica de uma população extremamente pequena 

- a realidade económica de um país que ainda não atingiu níveis de cescimento económico necessários para garantir uma efectiva luta contra a pobreza 

- a realidade social de grande desemprego e de tentações para o práticas ilegais com vista a enriquecimento rápido

- e uma realidade política de uma democracia jovem ainda em fase de consolidação e de institucionalização.

Hoje, em CaboVerde, a  inadequação das instituições nacionais face aos desafios seja da segurança interna como da segurança externa é  por demais evidente. A sensação de insegurança prevalecente na população tem origem na percepção generalizada das  dificuldades das instituições responsáveis pela luta contra a criminalidade e pela administração da justiça em  lidar com um país e uma sociedade cada vez mais complexos e em interacção permanente com um mundo em acelerado processo de globalização

As nossas fronteiras têm de deixar de ser porosas, as nossas costas devem ser efectivamente policiadas, a população deve sentir-se segura nas suas casas, a actividade criminal deve ser energicamente combatida. Para atingir esses objectivos temos que ser capazes de repensar tudo:

Qual deve ser o papel das forças armadas? Na nova conjuntura deve-se manter ou não as forças armadas?

Que tipo de força se adequa mais à necessidade urgente de policiamento das nossas costas águas arquipelágicas, águas territoriais e zona económica exclusiva

Qual deve ser o papel da POP?  Qual o seu papel no combate ao crime? 

O que se deve fazer para focalizar a actividade da polícia judiciária na luta contra os crimes complexos  e aumentar a sua capacidade  analítica?

Será de interesse para o país a criação de uma força de segurança para militar a exemplo de vários outros países que vigie as nossas costas e e dê um apoio mais robusto à acção das ouras polícias? 

Qual deve ser a nossa estratégia em matéria de cooperação no domínio de Segurança? Parece-nos evidente que uma verte central dessa cooperação terá que orientar-se para a protecção das nossas águas e da nossa zona económica exclusiva. 

Somos de opinião que a adequação das instituições aos desafios de hoje é urgente e a ponderação das opções a adoptar deve ser iniciada no âmbito de preparação de uma revisão constitucional.

O Movimento para a Democracia desde de 2001 tem vindo a manifestar ao Governo a sua disposição em colaborar com as importantes reformas de estado, designadamente nos sectores da forças armadas e da segurança. Lamentamos que só no fim do mandato o governo vemha apresentar as suas iniciativas . A vontade de colaborar continua. Esperamos que o Governo eo Paicv se disponibilizem para uma discussão compreensiva da matéria de segurança e que estejam dispostos a achegar aos compromissos que se impões.

 

                                                                                                          Muito obrigado.

Intervenção sobre os Serviços de Informação da República

 

proposta de lei dos Serviços de Informação da República

                                                                                                      

                                                                                                          Maio de 2005

                                              

Sr. Presidente da Assembleia Nacional, colegas Deputados 

 Com a  revisão da Constituição em 1999 tornou-se possível dotar a  República de Serviços de Informação ou serviços de Inteligência. O passado recente do país de convívio com estados autoritários e totalitários, o Estado Novo de Salazar com a sua Pide/DGS e o regime de partido único com a sua Segurança dita que cuidados muito especiais sejam tomados na criação dos serviços de inteligência para evitar a contaminação policial e persecutória das pessoas que há bem pouco tempo grassou em certas instituições do país.

 Esses cuidados não são específicos de Cabo Verde. Todos os países com recente experiência de regimes totalitários e autoritários fizeram essa caminhada. Portugal passou a ter serviços de Informação da República a partir de 1984, oito anos depois da aprovação da Constituição de 1976. A Espanha recentemente, em 2002, criou o Centro de Inteligência Nacional para substituir os serviços que anteriormente dedicavam-se essencialmente a matérias de defesa. Mesmo os Estados Unidos da América  só criaram a CIA em 1947.  

 Os serviços de Informação da República são serviços de Inteligência porque são dirigidos para a recolha, processamento e análise, ao mais elevado grau, de informações com o objectivo único de disponibilizar ao Governo elementos para decisões políticas que visem a protecção da ordem constitucional e do Estado de Direito democrático face a ameaças internas e externas. Porque o Governo é o consumidor final do trabalho dos serviços de inteligência pressupõe-se que nem os seus titulares, nem ninguém deve interferir no trabalho essencial desses serviços. A produção da inteligência não deve ser contaminada por decisões, opções e interesses de curto prazo dos políticos sob pena de tornar inútil o trabalho que esses serviços devem prestar à república. O que se passou nos Estados Unidos em relação à questão das armas de destruição massiva no Iraque é exemplificativo de uma interferência política governamental nos serviços de inteligência que acabou por comprometer a eficácia dos mesmos.

 Sr. Presidente da Assembleia Nacional, colegas Deputados 

 O Paicv ao aprovar da forma como fez a lei que cria os serviços de informação da república demontrou:                 

- Incompreensão da natureza especial desses serviços

- Insensibilidade em relação à história recente do país

- Incapacidade de diálogo com a sociedade e com a oposição no que respeita a questões fundamentais, como sejam as questões de defesa e segurança

- Irresponsabilidade na criação unilateral de instituições que, pela sua natureza de serviço à República, tem ligações, orgânicas e funcionais, estreitas com outros orgãos de soberania, designadamente o Presidente da República e Assembleia Nacional

Os serviços de Informação, enquanto serviços de inteligência, não se confundem com a polícia. Não investigam pessoas, não investigam crimes, não prendem e muito menos instruem processos. Funcionam essencial com informação aberta, utilizando a sua superior capacidade de análise para encontrar conexões entre factos ou dados que escapam às pessoas normais, para antecipar tendências de evolução de situações nos mais diferentes domínios sejam eles geopolíticos, estratégico-militares, económicos ou tecnológicos e para detectar  ameaças emergentes da mais variada origem. Naturalmente que, em encontrando indícios de crimes, têm a obrigação de transmitir a informação aos serviços próprios ou seja à Polícia Judiciária que tem as devidas competência para a investigação criminal. 

Os serviços de informação da Alemanha (BfV)chamado de Serviço para a Defesa da Constituição trabalha com informações em cerca de 80 % recolhidas de fontes abertas. A própria CIA, com todos os seus outros meios, ainda consegue os seus dados em 65 % dos casos de fontes disponíveis a todos (jornais, revistas, livros e publicações, emissões de rádio e televisão etc).

O Governo do Paicv e a sua maioria ao aprovar ontem a lei que cria os serviços de informação da república não demonstraram qualquer sensibilidade em relação aos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente em relação ao acesso a dados pessoais. Na apresentação e discussão da lei revelaram desconhecer a própria lei 133/V/ 2001 de protecção de dados pessoais das pessoas singulares. É essa ignorância da lei que explica vários artigos da lei dos serviços de informação da república designadamente os que dão a esses serviços o acesso directo a arquivos e registos do Estado para consulta e consequentemente lhes permite a  possibilidade de os cruzar a seu belo prazer. É essa mesma ignorância que faz com que a lei preveja o absurdo de a polícia ter acesso directo ao centro de dados dos serviços de informação.

Aliás a insensibilidade do Governo em relação à matéria de afirmar uma diferença clara e sem reservas  entre a actividade policial e a actividade de inteligência  manifestou-se na escolha de assessoria, indo buscar técnicos a departamentos da polícia para o aconselhar. A escolha há dias do embaixador John Negroponte com Director Nacional de Inteligência nos Estado Unidos revela onde normalmente se recrutam os chefes dos serviços de inteligência. São convidados diplomatas, magistrados, militares de alta patente. Nunca polícias.

Sr. Presidente da Assembleia Nacional, colegas Deputados 

Apesar do mau passo de ontem, pensamos que ainda o Governo vai a tempo de rever a sua posição. A discussão das opções do Conceito Estratégico de Defesa e Segurança nacional e da Lei de Defesa e Segurança nacional, matérias que exigem um alto consenso nacional obriga que o Governo, que tem a responsabilidade de conseguir esses consensos demonstrando capacidade de negociação, a esforçar-se por construir um edificío jurídico institucional coerente que sirva a república, mas respeitando os direitos fundamentais e o Estado de Direito Democrático.  

 Acredito que o Movimento para a Democracia continuará disponível para trabalharmos juntos para criar e fazer crescer bem as instituições que a República precisa para a sua existência e afirmação.

Comunicação Social Março de 2007

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